O que faria com 3 dias de descanso?

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Se trabalhasse menos um dia por semana e recebesse o mesmo salário no final do mês, o que faria com esse tempo livre? Em março, um artigo do Washinton Post, que versava sobre como seria uma semana de trabalho composta por apenas quatro dias, sugeria "reorganizar a gaveta da desarrumação", "pôr a conversa com um familiar em dia", ou "finalmente aprender português e surpreender o parceiro quando, fluentemente, fizesse o pedido num restaurante à beira-mar nos Açores".

No nosso caso, lições de português seriam, provavelmente, uma perda de tempo - embora, por vezes, até fossem necessárias. Porém, mais um dia livre que nos permitisse desfrutar de umas lapas açorianas grelhadas num prazeroso fim de semana de 3 dias com a nossa cara-metade seria muito bem recebido - e já esteve mais longe.

De acordo com os primeiros resultados do Projeto-Piloto Semana de Quatro Dias, apresentado esta semana pelos investigadores Pedro Gomes e Rita Fontinha, há razões para entusiasmo. Segundo os trabalhadores das 41 empresas que participaram neste teste, o esgotamento diminuiu significativamente (19%), conciliar a vida pessoal e profissional tornou-se mais fácil e quase 90% só voltariam à semana de 5 dias com um aumento salarial superior a 20%. Mais, apesar das dificuldades manifestadas no que concerne à definição das métricas de produtividade, 95% das empresas avaliaram positivamente o teste, tendo 75% beneficiado da adoção de mudanças organizacionais, como a redução do número e duração de reuniões ou a implementação de ferramentas tecnológicas inovadoras.

Os resultados não justificam - para já - a implementação da semana de trabalho de 4 dias por legislação, como defendem os próprios investigadores. Todavia, espera-se que mais empresas sigam o exemplo destas 41 pioneiras e que, num futuro mais ou menos longínquo, a exceção passe mesmo a ser a regra. Se não derivado de uma mudança cultural, implementado pela natural renovação geracional - até 2025, a gen Z ultrapassará os boomers no mercado de trabalho e, até 2040, os millennials. As condições estão reunidas.

No que ao bem-estar diz respeito, se é verdade que sintomas negativos a nível de saúde mental estão presentes em todas as gerações, parece ser igualmente verdade que a gen Z parece estar a ser mais afetada por sintomas como ansiedade, fadiga, distúrbios de sono, estados depressivos ou solidão. A título de exemplo, nos Estados Unidos da América, segundo um inquérito realizado, em 2022, pela McKinsey & Company, a taxa de problemas de saúde mental é consideravelmente elevada. Dos jovens entre os 18 e os 24 anos, 55% afirmam ter recebido um diagnóstico e/ou tratamento para uma doença mental.

No campo salarial, embora continue a ser o fator mais importante na decisão sobre um emprego, a gen Z valoriza-o menos do que qualquer outra geração. Aliás, entre escolher aceitar um emprego mais bem pago, mas aborrecido, e um trabalho mais interessante, mas que não pague tão bem, estudos demonstram que a gen Z se divide de forma bastante equilibrada quanto à escolha.

Posto isto, a semana de trabalho de 4 dias surge como uma perspetiva particularmente atrativa para as novas gerações, alinhando-se com os seus valores de equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Priorizando a flexibilidade e um ambiente de trabalho voltado para metas e bem-estar, esta alteração refletirá não só a resposta aos seus anseios, como representará também uma abordagem inovadora e dinamizadora da economia - nunca esquecer que os dias de descanso são fundamentais para o estímulo do consumo e setores como a cultura e o turismo.

Hoje, talvez não. Com as atuais gerações, talvez não. Mas, a pouco e pouco, assim como no século XX a semana passou de 6 para 5 dias, também nós, no século XXI, experienciaremos 4 dias úteis. Resta saber o que faria com 3 dias de descanso.

Mestre em Desenvolvimento Internacional e Políticas Públicas
Membro Fundador da All4Integrity

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