"O que é que a cidadania tem a ver com orientação sexual? Isso é privado"
"O que é que a cidadania tem a ver com a orientação sexual? É escandaloso que façam estas perguntas a crianças de nove anos." O comentário é feito por Pedro Barbosa, junto à Escola EB 2.3 Francisco Torrinha, no Porto, enquanto aguardava que o filho saísse. O pai soube do inquérito feito a uma turma do 5º ano da escola pela comunicação social e considera "ridículo" serem feitas estas perguntas a alunos "sem maturidade". E qual é o interesse em saber se se sentem atraídos por homens ou mulheres, ou ambos? "Até um adulto não tem que responder a essa questão, é uma questão privada", diz este encarregado de educação de um aluno que está há quatro anos neste estabelecimento de ensino, situado no eixo Foz/Avenida da Boavista.
O inquérito em causa foi distribuído numa turma do 5º ano e inclui ainda questões sobre se já têm ou já tiveram namorado ou namorada, com quem vive, a nacionalidade e dados sobre o encarregado de educação. A associação de pais já considerou o questionário "desadequado", mas afirma que os pais tinham conhecimento. Já o Ministério de Educação garantiu que iria averiguar junto da escola.
O pai Pedro Barbosa diz que a escola "é fantástica" e que este questionário o surpreende. "A escola existe para educá-los e protegê-los. Já existe a internet e a TV onde muitos conteúdos não devem ser vistos por eles, não é? Por algum motivo é assim. Educação sexual é necessária mas é outra coisa, é conversar com eles e não levantar este tipo de perguntas", diz o pai do aluno do 9º ano.
A meio da tarde, muitos pais paravam junto à escola que integra o Agrupamento Garcia da Orta. Nem todos se mostraram disponíveis. Uma mãe de uma estudante do 7ºano, que sempre foi aluno na Francisco Torrinha, mostrou-se também escandalizada. "É uma barbaridade. São crianças muito novas e é demasiado cedo para perceberem a sexualidade", disse a mãe, que preferiu não dar o seu nome. Aponta que já não é a primeira vez que ouve falar em questionários do mesmo teor. "No ano passado houve uma situação semelhante também numa aula de cidadania. Não foi com a minha filha mas soube por colegas", contou.
Renata, brasileira, esperava o seu filho, aluno do 4º ano e portanto fora do grupo de alunos que responderam ao questionário. "Se fosse com o meu filho não ficava satisfeita. Este tipo de questões não é para esta idade", comentou, realçando que o filho está há um ano na escola e não tem razões para críticas. "A escola é excelente."
Noutra perspetiva, um pai de uma aluna do 7º ano ficou a saber do tema e da polémica gerada pelo DN. E desvaloriza as reações. "Nos dias de hoje falar de sexualidade devia ser normal. As questões podem ser importantes para alguns estudos. Não vejo motivo para tanto alarido", respondeu, sem querer dar o nome e admitindo que possa haver algum tipo de reparo na forma como as questões foram colocadas. "No resto não vejo problema."
Isabel Folhadela, avó de dois estudantes que frequentam a Escola Francisco Torrinha desde o quinto ano (estão agora no 7º e 9º ano), saiu em defesa da escola. "É um episódio único de uma turma só. É lamentável que tenha ido para as redes sociais. Se algum pai achou que estava mal, devia ter vindo à escola para conversar. É um assunto isolado e que tem de ser resolvido na escola", afirmou.
Mais um carro que estaciona e mais uma mãe que já tinha "ouvido falar nisso". Sem querer identificar-se - "é melhor não, nos tempos que correm" -, diz que a filha anda no 7º ano e não gostaria de a ver responder a este tipo de questionário. Como foi entregue a crianças de nove/dez anos, do 5º ano, ainda é mais surpreendente. "Confesso que fiquei surpreendida. A escola funciona muito bem e devia averiguar o que se passou. Não tem muita lógica nem vejo interesse. Só baralha as crianças que numa idade tão baixa não compreendem bem o tema", disse.
Em 28 de junho de 2017 (dia internacional do orgulho gay), no ano letivo anterior, uma turma do 5º ano participou numa aula de cidadania em que as associações Centro Gis e o Projeto Tudo Vai Melhorar, ambos com atuação na área de defesa dos direitos LGTB, foram à EB 2.3 como convidadas. Está colocado um vídeo no youtube com essa aula e com as crianças a agitarem bandeiras arco-íris e a dizerem frases de apoio à causa. O grupo Gis tem o seu nome em homenagem à transexual Gisberta, assassinada no Porto em 2006.