O que aconteceu no verão passado?

Uma mãe tenta perceber como morreu o seu filho, mas a verdade é demasiado horrível para poder aceitá-la. Bruno Bravo encena<em> Subitamente no Verão Passado</em>, de Tennessee Williams, no Teatro Nacional D. Maria II.
Publicado a
Atualizado a

Quem era realmente Sebastian? O que lhe aconteceu? Qual é, afinal, a verdade? São essas as respostas que procuramos ao longo de Subitamente no Verão Passado. No palco, o confronto entre Violet Venable, uma viúva rica que perdeu o filho, e a sua sobrinha Catharine, a única testemunha da morte de Sebastian, ocorrida no verão anterior durante uma viagem a Espanha.

"Esta é das mais peças mais inquietantes de Tennesse Williams", diz o encenador Bruno Bravo. "Talvez porque joga com a ideia de memória e com o conceito de verdade, partindo das duas verdades que são expostas na peça: a mãe do Sebastian (aqui interpretada por Mónica Garnel) tem uma versão do caráter dele muito diferente da versão da prima (Carolina Salles), mas são versões que se complementam e que nos ajudam a construir na nossa cabeça aquela personagem. E esse é um dos aspetos geniais do texto: a personagem principal da peça não aparece." A mãe, claro, idolatra o filho, imagina-o um rapaz sem defeitos, e acredita que foi Catharine a responsável pela morte. Mas Cath conhece outras facetas do primo, incluindo a sua homossexualidade.

A morte de Sebastian foi um choque para ambas: Catharine nunca recuperou da horrível morte a que assistiu e foi internada num manicómio, ao saber do sucedido Violet Venable teve um AVC e está agora confinada a uma cadeira de rodas. Além disso, o confronto entre Violet Venable e Catharine é tanto sobre a procura da verdade como uma luta pela "verdade mais conveniente", pois, com a conivência da família, a tia rica tem o poder de calar a sobrinha sujeitando-a a tratamentos médicos mais radicais.

Bruno Bravo confessa que durante algum tempo teve um preconceito em relação aos autores americanos mas quando começou a ler Tennessee Williams (1930-83) acabou por se render. "Hoje acho que é um autor incrível e incontornável no universo da dramaturgia universal", diz sobre o autor de Um Elétrico Chamado Desejo, Gata em Telhado de Zinco Quente, A Noite da Iguana e tantas outras peças. "Apesar de ser completamente diferente do ponto de vista da escrita, tal como o Tchekhov, ele é um grande construtor de personagens. E é um dramaturgo muito literário, tem uma escrita muito poética. Ele consegue fazer esta mistura de uma maneira muito desafiante de propor realismo e surrealismo, de propor uma ideia de pessoas, de personagens com uma a existência muito real, mas ao mesmo tempo não tem pudor em pô-las a falar de uma forma muito poética, literária."

Em Portugal costumamos chamar-lhe Bruscamente no Verão Passado, porque foi assim que foi chamado o filme de Joseph L. Mankievics, de 1959, protagonizado por Elizabeth Taylor, Katharine Hepburn e Montgomery Clift. Nesta produção da Primeiros Sintomas, Bruno Bravo optou por usar a tradução de Miguel Castro Caldas: "Ao longo da peça a palavra 'suddenly' surge muitas vezes associada àquilo que em português se traduziria por 'de repente'. Não tem o peso do 'bruscamente'. Então, no texto usamos o 'subitamente' e quisemos que o título fizesse eco disso."

Um jardim verdejante. Árvores, plantas, vegetação cerrada, quase como uma floresta onde nos podemos perder. Esta é a estufa repleta de plantas exóticas que Sebastian colecionava com enorme dedicação. A janela da casa. No pátio, uma mesa e cadeiras de ferro - o espaço onde decorre quase toda a ação. O cenário de Subitamente no Verão Passado, criado por Stéphane Albert, leva-nos imediatamente para a mansão de estilo vitoriano de Violet Venable em New Orleans, nos Estados Unidos. "Para a maioria de nós, o imaginário de New Orleans é algo que só conseguimos construir a partir dos filmes e dos livros - é um cenário de ficção. New Orleans é uma mistura de América, Europa, África, calor, humidade, álcool, extravagância, algo surreal, e foi isso que tentámos trazer para aqui, com aquele jardim e também com todo o trabalho de sonoplastia e iluminação", explica Bruno Bravo. Um mundo entre o real e o imaginário, cheio de sombras e de sons. "A peça é uma tentativa de recriação do que terá acontecido ao Sebastian no verão anterior. A ação está a acontecer no presente mas refere-se ao passado - e o passado é difuso, é misterioso, é ficção."

Subitamente no Verão Passado
De Tennessee Williams
Encenação de Bruno Bravo
Com Alice Medeiros, Carolina Salles, Joana Campos, João Pedro Dantas, José Leite, Marina Albuquerque e Mónica Garnel
Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa
De 6 a 23 de fevereiro

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt