O pequeno mundo e o desastre educativo global
No panorama voraz das crises do presente, tornou-se normal o discurso sobre a emergência educativa. Os governos e os cidadãos das sociedades democráticas sabem que sem Educação de qualidade não há futuro. Sabemos também que o futuro das pessoas e do planeta está interligado, sabemos que temos de agir no local para potenciar o impacto global. E... todavia, nada verdadeiramente muda. Pelo menos para melhor.
Apesar dos apelos da parte da Organização das Nações Unidas para a urgência de um pacto educativo global, o discurso das muitas crises do presente normalizou o desastre do acesso e da qualidade da Educação. Tornou-a menos relevante que a urgente crise energética, que a devastadora crise climática, que os destrutivos conflitos armados, que a emergência sanitária e que a ameaça às cadeias alimentares globais. Na floresta da catástrofe tudo se torna normal e nada se destaca. Ainda que todas estas ameaças sejam críticas, a verdade é que na raiz de todas elas está a Educação. Da desigualdade à fome, da energia à guerra, a Educação é a chave para que a humanidade possa ter um futuro. Das vozes globais que clamam por mudança destaca-se a do Papa Francisco com a iniciativa Educação: Um Pacto Global, lançada em 2020. Acreditando verdadeiramente que os indivíduos podem mudar o atual estado de coisas, exige pontes de ligação que permitam "superar as "frivolidades" que nos fecham no nosso pequeno mundo, e de ir ao largo no mar global, respeitando todas as tradições." O apelo é justamente o de sairmos do nosso pequeno mundo.
É necessário recordar que para que o processo educativo tenha sucesso é essencial garantir e alargar o acesso, formar e assegurar a continuidade de um professorado capaz e motivado e garantir infraestruturas de qualidade. No norte global a primeira e a terceira condições estão em regra asseguradas, mas não o está a segunda condição. No sul global, faltam todas as condições para assegurar uma Educação justa e de qualidade. A nível global, a pandemia afetou as aprendizagens de cerca de 1,5 mil milhões de estudantes do ensino primário e secundário. Acresce a este número 258 milhões de crianças que já não tinham acesso à escolaridade. O WEF estima que entrámos em pandemia com uma falta, a nível global, de 68,8 milhões de professores (24 milhões do ensino básico e 44 milhões do ensino secundário). O pós-pandemia agravou a situação. Aos decisores políticos, mas também aos cidadãos, não resta opção. É necessário agir e exigir ação.
O exemplo do fracasso de previsão português é uma gota num oceano e demonstra a inabilidade e o desinteresse dos governos ao longo de décadas para apoiar e desenvolver um setor crucial para o país. A demonização da carreira pelos media, a projeção do gosto pelo miserabilismo, o discurso político de desprezo pela classe, contribuíram para uma miséria, que o país vai pagar de forma cara, em conhecimento e valor económico ao longo de décadas.
A jornalista Rana Foroohar escrevia num artigo no Financial Times, a propósito do recente Fórum de Davos, que a elite económica mundial deveria estar disposta a pagar um pouco mais hoje para não ter de desembolsar muitíssimo mais amanhã. Sociedades deseducadas estão dispostas a suspender as suas liberdades, relativizam a dignidade, regridem para a lei da força. É urgente compreender que este futuro não é uma distopia longínqua. Chegou até nós.
Reitora da Universidade Católica Portuguesa