Circula o rumor, astutamente organizado, de que António Guterres é um bom candidato à Presidência da República. Não o é. À menor contrariedade foge espavorido, como se viu quando perdeu as eleições municipais, e refugiou-se num chamado Alto Comissariado para os... Refugiados. É sempre assim: começa com um rumor, prossegue com um grupo de "notáveis" a apoiar, segue-se um abaixo-assinado, e as coisas vão rolando, a bel-prazer do contemplado..Contrario, abertamente, esta estratégia, por muito ardilosa que os seus mentores a hajam congeminado. Guterres está longe de ser o homem que o momento exige. Carece de carácter, é um espírito flébil, pouco consistente e indeciso. Estou à vontade: votei nele, burlado pela paixão que, então, dizia "devorá-lo": a educação. Revelou--se habilidoso no uso do idioma, mas inútil, manietado e medroso como primeiro-ministro. Designou o País de "pântano", por não estar à altura das circunstâncias imprevistas. E demonstrou ser ressentido, rancoroso e vingativo, quando saneou Vasco Graça Moura das funções de comissário para as Comemorações dos Descobrimentos, porque o escritor criticava, publicamente, a política do Governo. Acontece que Graça Moura realizava um trabalho magnífico, a justificar o prémio e o elogio e não o olho da rua e a execração. Na altura, verberei a condenação absurda, injusta e muito pouco democrática, e deixei de apertar a mão ao saneador, que teve o descoco de afirmar que perdera a "confiança política" no saneado..Conheci António Guterres no escritório de João Soares Louro, na Cinevoz, onde trabalhei uns meses. Ali se reuniam, periodicamente, alguns socialistas conspirativos, enquanto eu me divertia um pouco e devagar. Guterres usava um bigode hirsuto, pouco convincente e perlado de gotas de suor, que limpava com pressurosa persistência. Possuía aquela forma patusca de falar que ainda mantém, que me suscitava alguma ironia. "Ria, ria; mas ele ainda vai ser primeiro-ministro", comentava Soares Louro. Como revelei, acabei por votar nele, fui enganado, fiz o que tinha a fazer, não oculto um certo desdém que por ele embalo, e não encontro nenhuma virtude que o recomende à Presidência..O rumor organizado que pretende propô-lo constitui uma manobra de interesses marcada por tudo menos pela vocação de servir o País. E o apagamento ao nome de Manuel Carvalho da Silva, um nome que surgiu com a evidência oposta à rotina e aos jogos tenebrosos de poder, é mais um sintoma das características sombrias dessa moscambilha..A questão não reside no ardil: pior do que Cavaco é impossível. A questão é de honra, de decência - ou, se quiserem, de patriotismo. Portugal não é um pântano, e os portugueses não são degraus para ambições, essas, sim, pantanosas.