No relógio ainda não são quatro e, no termómetro, dificilmente o mercúrio chegará a tanto..À porta do Parlamento britânico, corre uma brisa que faz o frio chegar aos ossos. Mas há quem esteja ali parado, de cartaz na mão, há várias horas..Desde dezembro que Belinda Camborne passa aqui os seus dias. Faz questão de marcar presença para que a mensagem chegue lá dentro, aos deputados. Esta estudante de mestrado em Direito Comunitário diz ao DN que está chocada com o facto de o Parlamento se "recusar a implementar o voto democrático que os deputados prometeram honrar"..Enquanto fala, os pés vão dando saltinhos como se dançassem ao som de uma música que só ela ouve. O corpo vai tremendo a cada rajada de vento e nem o cachecol e o gorro chegam para aquecer..Para esta londrina de 42 anos, os políticos bem podem dizer que falam em nome do povo britânico mas ela não acredita. "Eles não falam em nosso nome, eles falam em nome da UE", afirma. E acrescenta que os políticos "estão completamente desligados. Não estão, de todo, a implementar o Brexit. Eles estão a enganar o povo e a mentir ao povo ao dizerem que respeitam o resultado do referendo enquanto, ao mesmo tempo, trabalham incansavelmente e usam todos os truques possíveis para parar o Brexit", acusa, em declarações ao DN..Com o aproximar da data de saída do Reino Unido da União Europeia, prevista para 29 de março, o discurso político tem vindo a "aquecer". No ar, continuam a pairar, entre outras, hipóteses como um segundo referendo ou eleições antecipadas. Os discursos políticos dos vários lados, pró-Brexit e anti-Brexit, governo e oposição, garantem estar a dar voz ao povo e aos seus interesses. Mas há muitos que, tal como Michelle Megan - parceira de protesto de Belinda -, simplesmente já não os conseguem ouvir..Nesta terça-feira, serão submetidas 19 propostas de emenda ao acordo do Brexit, depois de o que foi fechado entre a primeira-ministra Theresa May e a UE27 ter sido chumbado na Câmara dos Comuns no passado dia 15. O pomo da discórdia foi, na altura, a questão do backstop, mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Mas as emendas vão muito para além desse tema, havendo propostas para dar ao Parlamento a hipótese de retirar da lista de cenários o de um No Deal Brexit, saída desordenada do Reino Unido da UE ou até para dar ao governo legitimidade para pedir uma extensão do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa. Cabe ao speaker da Câmara dos Comuns, John Bercow, decidir que emendas vai aceitar a debate e votação. Face ao que resultar daí, May poderá reorientar o seu caminho sobre o Brexit e ir falar com a UE antes de voltar a submeter um qualquer novo acordo ao Parlamento. O problema poderá residir, depois, naquilo em que a UE está disposta - ou não - a ceder.."Eu sou paciente mas confesso que a minha paciência está a esgotar-se porque a senhora May diz muitas coisas e faz grandes discursos que nos fazem pensar que, apesar de ela ter sido uma defensora da permanência na UE, abraçou a causa do Brexit e que o vai realizar (...) Mas, na verdade, está a tentar manter-nos na UE com o seu acordo. É tudo uma farsa. O Labour está a fazer jogo político porque o [seu líder Jeremy] Corbyn está à defesa porque nunca se assumirá com sendo pela saída ou permanência, porque ele quer agradar aos dois lados", refere ao DN Michelle Megan..Ao DN, esta inglesa confessa ainda que "nunca na minha vida estive num protesto, mas desde o Natal que se tornou óbvio para mim que, apesar de termos ganho o referendo, parece que os deputados desta casa vão tentar usar todos os truques para nos impedir de sair. E eu acredito na democracia e, mesmo que não tivesse votado pela saída, eu defenderia sempre aquilo em que a maioria votou"..Poucos metros mais abaixo e, mesmo em frente ao portão de acesso ao Parlamento de Westminster, está Val Astoles..Esta enfermeira reformada está do "outro lado da barricada". Ao ombro, tem uma bandeira da União Europeia e no pescoço um lenço com estrelas. Ao DN, Val diz esperar que "o Parlamento tome conta do processo do Brexit e pare este comportamento do governo". E desabafa que está "farta. É um pesadelo"..Igual opinião tem Gareth Clayfield. "Estou completamente farto. Temos um líder da oposição muito fraco que não faz o seu trabalho. Ele devia já ter apoiado um novo referendo e ainda não o fez (...) e depois temos a Theresa May, que tem um ponto de vista muito limitado", refere..Nas mãos, este londrino de 42 anos tem uma bandeira da União e do Reino Unido e, por cima das várias camisolas com que tenta combater o frio, está uma T-shirt azul, com as estrelas da União Europeia. A razão por que está à porta do Parlamento é óbvia mas este londrino faz questão de esclarecer. "Tivemos um referendo há quase três anos e houve muitas inverdades e mentiras que foram ditas. Agora, três anos depois, já percebemos o que significa o Brexit. Podemos reverter para as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou ter o acordo de Theresa May e, por isso, devemos deixar o povo decidir porque agora o povo já tem uma ideia acerca do que é o Brexit", garante..Já na parte lateral do Parlamento está Barbara Want e a sua luta é igual à de Gareth. "Estou a tentar parar o Brexit, que acho que é a pior coisa que o país tentou fazer na sua história moderna. Acho que é um desastre para o país, acho que mentiram às pessoas, acho que fomos alvo de um golpe de direita e eu quero lutar. A única coisa que posso fazer é vir aqui todos os dias e mostrar às pessoas lá dentro [deputados da Câmara dos Comuns] que me preocupo e que não vou desistir", sublinha..Mas, apesar da determinação, esta antiga jornalista confessa ficar "zangada" quando ouve os políticos dizerem que trabalham em prol do povo britânico. "Não acredito. Eu acho que eles trabalham em prol deles próprios e das suas ambições políticas (...) Isto tornou-se um jogo em que as pessoas gritam as mesmas coisas umas às outras: 'vontade do povo', 'o povo falou' (...) É uma desgraça e uma vergonha ser britânica. Se estou farta? Eu acordo todos os dias deprimida com o que está a acontecer e não sei de que forma podemos combater esta autêntica tragédia", lamenta..Tony Bligh, eurocético convicto, também assume já não ter paciência para o discurso político. "Estou completamente farto e acho que todo o país está farto." Ao DN, este técnico de informática reformado acrescenta que a primeira-ministra, do Partido Conservador, "devia assumir que as negociações falharam e que, por isso, as nossas futuras relações comerciais com a UE deverão ser reguladas pelas regras da OMC. Assim, toda a gente poderia respirar de alívio e continuar com as suas vidas e parar de falar sobre o Brexit. Os empresários poderiam começar a tomar decisões outra vez. Acho que muitos deles [políticos] não são honestos. Eles dizem que trabalham em prol do povo britânico mas, na verdade, eles só querem impedir-nos de sair da UE", acusa..Se há algo que o acordo do Brexit conseguiu foi unir eurocéticos e europeístas contra o documento. Ambos os lados têm claramente a lição bem estudada e, apesar de defenderem pontos de vista opostos, estão juntos na luta contra o acordo que Theresa May trouxe de Bruxelas. Mas as críticas ao discurso político que há dois anos também não "ata nem desata" é mais um ponto em comum entre as duas barricadas. Por isso, não lhes falta convicção para que, faça chuva ou faça sol, estes britânicos continuem a passar dias a fio à porta do Parlamento do Reino Unido, com os respetivos adereços..A determinação de Barbara é só um exemplo. "Estou aqui ao frio. Tenho um pé partido. O meu outro pé está gelado. Já cá estive com neve e chuva mas eu tenho de fazer alguma coisa. Não vou ficar em casa a falar comigo mesma ou com pessoas no Facebook. Tenho de fazer alguma coisa!", exclama, indignada.