O mundo não assim tão pequeno dos Deolinda no Coliseu
Existe uma diferença clara entre os Deolinda que há sensivelmente cinco anos se estrearam nos discos com Canção Ao Lado (2008) e os que acabámos por ver ontem à noite em cima do palco do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, já com o recente Mundo Pequenino (2013) na bagagem. Quando dantes as referências à cultura popular portuguesa (fosse da música ou até de alguma iconografia) eram explícitas, hoje a música do quarteto abriu-se ao mundo, deixou-se contaminar por outros arranjos, o que dá outra dimensão às suas canções.
Isso foi especialmente perceptível quando ontem o grupo convidou logo ao segundo tema da noite, Concordância, uma secção de sopros. Em palco contam agora também o baterista Sérgio Nascimento, ou, como Ana Bacalhau lhe chamou, o "quinto Deolindo". E no coliseu foram também acompanhados regularmente pela excelente pianista Joana Sá e pelo percussionista António Serginho. Mesmo que mantenham a essência musical que logo na sua estreia fez dos Deolinda um dos grandes casos de popularidade no panorama português, hoje o mundo do grupo não é assim tão "pequenino" como possam afirmar no título do último disco.
O Coliseu de Lisboa pode não ter esgotado - mas estava bem preenchido - o que não impediu que a noite de sexta-feira não tenha sido de verdadeira festa, porque o foi. O grande motor para esse dinamismo festivo é a vocalista Ana Bacalhau, sempre expressiva não só quando canta, mas também quando interage com o público, quando apresenta os temas e os seus convidados. De António Zambujo, com quem na recta final do espetáculo interpretou Não Ouviste Nada, disse que tinha um "Stradivarius na goela". Antes trouxe uma grande dose de humor quando se dirigiu aos puristas do fado e cantou Fiscal do Fado.
Houve momentos de alguma introspeção (e a sobriedade de todo o cenário ajudou), proporcionados por canções como Medo de Mim ou Balanço (esta com apontamentos sonoros do piano preparado de Joana Sá). Mas foram os temas mais garridos que fizeram com que os Deolinda tivessem aquele público na mão. Fon Fon Fon ou Movimento Perpétuo Associativo (ambas do primeiro disco) foram amplamente celebradas, mas a mais recente Musiquinha (interpretada antes dos encores e depois no terceiro regresso da banda ao palco) não lhe ficou atrás ao conseguir cativar com entusiasmo o público.
Depois de Lisboa, hoje o grupo leva este espetáculo até ao Coliseu do Porto, onde vão mostrar que o seu mundo sonoro é hoje bem mais abrangente.