O meu filho vai chumbar. O que devo fazer?

Publicado a
Atualizado a

Começou agora o segundo período letivo. Vale a pena falar sobre a repetência, mais vulgarmente designada por "chumbo". Todos os anos, em Portugal, chumbam mais de cem mil alunos, que ficam para trás a repetir o ano escolar que não concluíram com êxito. Particularmente grave é a situação de mais de dez mil alunos que, em cada ano, reprovam no segundo ano de escolaridade, aos 7 anos de idade. Embora os alunos reprovem no final do ano letivo, em junho ou julho, na realidade começam a chumbar logo no primeiro período. Dito de outro modo, neste momento, as escolas e os professores já sabem quem são os alunos que, muito provavelmente, irão chumbar: os que tiveram notas negativas no primeiro período. No final do ano, o chumbo será apenas a confirmação de que não recuperaram. E, de facto, no nosso sistema de ensino, um número muito elevado de alunos não recuperam das dificuldades que tiveram no primeiro período. O chumbo é uma prática difundida em Portugal, apoiada por decisores políticos, por professores, dirigentes escolares e, até, por pais. É uma prática pedagógica que vem do passado, do tempo em que a escola tinha por missão selecionar e ensinar apenas alguns. Ouvem-se, por isso, e com frequência, adultos, hoje bem-sucedidos, afirmar que chumbar faz bem, obriga os jovens a tomar juízo e a dedicarem-se mais ao estudo. Curiosamente, não se ouvem muitas histórias sobre o efeito negativo dos chumbos no percurso e na vida dos jovens. Contudo, a informação que vamos acumulando em resultado de sucessivas investigações demonstra que a repetência tem consequências negativas tanto para a realização escolar dos alunos como para o sistema de ensino.

A repetência coloca os alunos, de forma irreversível, num ambiente escolar marcado pelo desfasamento entre o nível de ensino e a idade. Os repetentes tendem a ter comportamentos e atitudes negativos em relação ao estudo, a ser mais propensos a faltar e a abandonar precocemente a escola, atitudes que se agravam ainda mais quando, nas escolas, são colocados em turmas especialmente complicadas. Os eventuais efeitos positivos da repetência esgotam-se rapidamente. Os efeitos negativos persistem e são particularmente graves nos primeiros anos de escolaridade, quando os alunos são ainda crianças. A repetência desemboca muito mais em percursos de insucesso sem retorno do que na recuperação de episódios de insucesso.

Em muitos estudos, sublinha-se ainda o facto de as decisões de repetência serem, por vezes, tomadas de forma injusta e pouco objetiva. Por essa razão, e porque é muito difícil identificar os casos em que os alunos são retidos injustamente, em alguns sistemas de ensino foram instituídos mecanismos para limitar o recurso à repetência, na expectativa de assim se reduzirem os casos de injustiça.

Sabendo-se hoje que a repetência tem efeitos sobretudo negativos na vida das crianças, conclui-se que chumbar não é solução. O que fazer então com os alunos que revelam dificuldade em atingir os objetivos e as metas da aprendizagem? Qual é a melhor maneira de ajudar os alunos em dificuldades?

Na maior parte dos países da OCDE, a repetência é uma prática restrita e apenas aplicada nos anos mais avançados de escolaridade.

Em alternativa, são usadas soluções pedagógicas que, apesar da sua diversidade, têm um objetivo comum: substituir o chumbo por um trabalho de recuperação que supere as dificuldades de aprendizagem dos alunos. De comum têm, ainda, algumas características importantes. Em primeiro lugar, o despiste e o diagnóstico precoce, pois o trabalho de recuperação deve começar aos primeiros sinais de dificuldade. Em segundo lugar, mais tempo de aprendizagem e de acompanhamento individualizado, dentro ou fora da escola. Em terceiro lugar, diversificação dos meios e procedimentos didáticos e pedagógicos, para responder à diversidade dos alunos e à especificidade das suas dificuldades.

O meu filho vai chumbar. O que devo fazer? A pergunta tem-me sido colocada muitas vezes. A minha resposta aos pais é invariavelmente a mesma: chumbar não faz bem, não contribui para recuperar amanhã o que hoje se desiste de recuperar. Façam tudo o que puderem para evitar que a criança chumbe.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt