O menino leão ou a forma como choramos com este conto
Saroo Brickley, uma criança de 5 anos que nos anos 1980 ficou perdida da sua família ao entrar inadvertidamente para um comboio que o transportou para Calcutá. Um caso de um órfão que mais tarde foi acolhido por uma família na Austrália e só 25 anos mais tarde, já em 2012, conseguiu descobrir o seu lar na Índia graças ao Google Earth. Um caso que se tornou célebre na Austrália e que agora serve como parábola sobre a imensidão do mundo. Nos primeiros 40 minutos não há muitos diálogos nem uma única palavra em inglês - apenas o seu mundo a desabar num silêncio ruidoso da Índia interminável.
Este conto com implicações existencialistas consegue uma rara chama calorosa. Garth Davis tem uma fórmula de entretenimento que aposta na exaltação emocional, ou seja, nas grandes emoções. Que o faça celebrando uma ideia de melodrama sofisticadamente clássico é talvez o seu grande trunfo. Na verdade, é uma obra que está nos antípodas de Quem Quer ser Bilionário, de Danny Boyle, esse sim também com criancinhas pobres na Índia suja e urbana. Aqui a manipulação sentimental é um sistema operativo de cinema, no filme de Boyle era apenas truque de manipulação.
No Festival de Toronto, com a assombrosa apoteose de aplausos de mais de 15 minutos percebeu-se que é um óbvio "agrada-multidões", modelado com um equilíbrio sentimental exato e irresistível. Um belo exemplo de cinema de condição popular que recusa estupidificar o espetador, mesmo quando a sala não resista à tal lágrima no canto do olho. A questão aqui não é se faz chorar ou não (e claro que o faz), é como o faz. E aí há uma tranquilidade quase majestosa.
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Lion - A Longa Estrada para Casa, que estreia amanhã, é a experiência mais emocional que o cinema australiano nos terá oferecido depois do muito consagrado Shine - Simplesmente Genial, de Scott Hicks. Talvez seja exagerado colocá-lo como favorito nos prémios principais desta temporada, mas Dev Patel e, sobretudo, Nicole Kidman (filho adotivo e mãe) têm boas chances na categoria das interpretações secundárias. E Rooney Mara é, como sempre, extraordinária.