Filme: 'O Mascarilha'. De: Gore Verbinski. Com: Johnny Depp, Arnie Hammer, Tom Wilkison, Ruth Wilson. Classificação: 4 estrelas.Há uma velha máxima da crítica de cinema que, na sua candura, vale a pena relembrar: nenhum filme é "bom" ou "mau" por causa das suas receitas de bilheteira. Fazer crítica, de facto, não é o mesmo que elaborar relatórios sobre orçamentos, campanhas e índices de frequência. Como contraponto, existe todo um discurso de profunda má fé que teima em sugerir que o "crítico" se julga acima das realidades muito concretas da vida económica dos filmes. Aliás, tal discurso derrapa muitas vezes para uma versão ainda mais estúpida: o "crítico" seria aquele que rejeita os filmes que têm sucesso... .Bem sei que atraímos, assim, um novelo de questões que estas escassas linhas não pretendem abarcar. Permitam-me apenas que recorde também que não se trata de defender toda a crítica: ao contrário do que pretende um cinismo também muito antigo, os críticos, "bons" ou "maus", não são um rebanho de gente desmiolada, envolvendo os seus discursos diferenças profundas, muitas vezes inconciliáveis. . Vem isto a propósito do filme O Mascarilha, de Gore Verbinski, com Armie Hammer na personagem do justiceiro mascarado e Johnny Depp assumindo a figura bizarra do índio Tonto, o seu fiel companheiro. Se é importante esclarecer o meu ponto de vista, direi que se trata de um fabuloso e inteligente espectáculo, fazendo justiça à mais nobre tradição de Hollywood. Acontece que muitas leituras negativas que o filme tem suscitado nos EUA, especulando a partir das respetivas receitas, me parecem viciadas por um "economicismo" que importa questionar. Peter Travers (da revista Rolling Stone) começa mesmo o seu texto crítico com esta pergunta insólita: "Por que é que O Mascarilha é um tão grande falhanço nas bilheteiras?" .Dir-se-ia que Travers parece não se aperceber que a sua interrogação coloca menos em causa o filme e mais, muitíssimo mais, os espectadores. Porquê? Porque, apesar de tudo, apreciando mais ou apreciando menos o filme, seria interessante referir que O Mascarilha é a mais radical negação dos modelos de espectáculo (super-heróis, ostentação tecnológica, argumentos que se podem reduzir a dois breves parágrafos...) que têm triunfado nas bilheteiras; a sua revisitação da epopeia do Oeste envolve, de uma só vez, a reconversão simbólica da memória dos índios, os efeitos civilizacionais da construção do caminho de ferro e a própria relação história/mito no interior do western. Que Travers não se interesse por isso, é um problema dele. .Que haja muitos espectadores cuja formação e sensibilidade os afasta de tais propostas, eis uma conjuntura que suscita alguma inquietação. Não para "culpar" o público... Antes porque este é mais um sintoma de apagamento de toda uma cultura popular (cinematográfica e cinéfila) que já foi de todos nós. Como se já nem houvesse espectadores para admirar a excelência de um ator como Johnny Depp.