O caminho de Petr Fiala para a chefia do governo checo tem sido tudo menos fácil e ontem voltou a complicar-se. O presidente Milos Zeman teve alta do hospital, onde estava internado há 46 noites com doença hepática crónica, e devia designar hoje o líder do Partido Democrático Cívico (ODS, direita) como primeiro-ministro. O próximo passo do presidente seria ouvir cada um dos ministros escolhidos para o futuro governo que envolve duas alianças e cinco partidos, sendo que Zeman (centro-esquerda) tem direito de veto e tinha dito ter um problema com um deles. Mas horas depois de ter alta, o presidente voltou para o hospital, agora com covid-19, e cancelou tudo..Fiala, antigo historiador e reitor da Universidade de Masaryk, tem 57 anos e já foi ministro da Educação, Juventude e Desportos. Oriundo de uma família conservadora católica de Brno, estreou-se na política como assessor para a Ciência há dez anos, passando rapidamente a ministro em 2012. Eleito deputado como independente um ano depois, juntou-se ao ODS que vinha de uma pesada derrota eleitoral, vencendo já em 2013 as eleições internas para liderar o partido..Apesar de ter sido segundo nas eleições de 2017, a vitória eleitoral de outubro foi uma surpresa. A aliança de centro-direita Spolu (Juntos), que além do ODS inclui os cristãos-democratas e o TOP 09, venceu por 35 mil votos o partido do primeiro-ministro populista, o bilionário Andrej Babis. Todas as sondagens indicavam que ganharia um segundo mandato, mas o escândalo dos Pandora Papers rebentou um dias antes das eleições. Este revelou que Babis, há muito suspeito de corrupção e abuso de poder, tinha comprado uma mansão na Riviera Francesa com recurso a offshores. Ainda assim, mesmo antes das legislativas, suspeitava-se que, independentemente do resultado, Zeman, seu aliado, o escolhesse para formar governo..Os planos que o presidente de 77 anos pudesse ter caíram por terra quando, um dia depois das eleições, foi internado nos cuidados intensivos com cirrose. Fumador e conhecido pelos excessos com a bebida, Zeman não pôs totalmente de lado os maus hábitos apesar de um diagnóstico de diabetes. Quando um mês depois saiu dos cuidados intensivos e deu a primeira entrevista, admitiu que chamaria Fiala para formar governo.."Não vai ser um problema porque Babis, com quem acabei de falar ao telefone, não está interessado em continuar primeiro-ministro", disse então à rádio Frekvence 1. "A razão é simples: ninguém quer negociar com ele", acrescentou. Nessa altura já o líder do ODS tinha chegado a acordo de governo entre o Spolu e a aliança de centro Piratas e Autarcas, que junta o Partido dos Piratas com os Autarcas e Independentes. Juntos têm 108 dos 200 deputados no parlamento..O presidente checo tem normalmente um papel muito importante no processo pós-eleitoral. Mas Fiala não perdeu tempo, com Zeman incapacitado e a recusar demitir-se - a 21 de setembro o chefe de gabinete divulgou um vídeo onde se via o chefe de Estado, na cama do hospital, a assinar um documento, mostrando que continuava a trabalhar. A 9 de novembro, um mês depois das eleições e um dia após o acordo entre as duas alianças ser oficialmente assinado, Fiala era encarregado pelo presidente de formar governo, numa altura em que já estavam a ser feitos preparativos para afastar Zeman dos seus deveres constitucionais..Esperava-se que o processo fosse rápido, com Babis entretanto a apresentar a demissão formal, continuando em funções até haver um novo governo. Mas os nomes do executivo só terão sido apresentados no dia 17 ao presidente e o processo só agora devia avançar, depois de este ter tido alta. A covid-19 veio de novo complicar as contas, não tendo sido revelados pormenores sobre a sua saúde. O Hospital Universitário Militar tinha sido contra a sua saída, visto que continuava a precisar de cuidados, mas autorizou-a por ele ter apresentado melhorias e desejar continuar a sua função fora do centro médico..À espera do novo primeiro-ministro, a República Checa enfrenta como outros países europeus a nova vaga da covid-19 - registou ontem quase mais 26 mil novos casos e ultrapassou as cem mortes. "Precisamos de resolver os problemas que preocupam as pessoas o mais rápido possível e liderar o país para fora de várias crises em que tem estado: saúde, economia e uma crise de valores", tem dito Fiala. O governo cessante decretou ontem o estado de emergência..A nível político, a prioridade de Fiala será reescrever o orçamento de 2022 para limitar os gastos, sendo que as promessas passam também por cortar nos impostos em algumas áreas - mas isso poderá só ser possível a partir de 2023. Na política externa, defendem uma agenda pró-ocidental e apesar de o ODS de Fiala ser eurocético, todos os outros partidos defendem a União Europeia. A República Checa assume a presidência rotativa do bloco no segundo semestre de 2022..susana.f.salvador@dn.pt