Ossufo Momade comandava um batalhão das forças da Frelimo na província de Maputo quando a sua unidade foi emboscada e ele capturado pela guerrilha da Renamo..Iniciava-se uma vida, toda ela dedicada - política e militarmente - à Renamo, que culmina agora com a liderança máxima do principal movimento de oposição em Moçambique, a poucos dias de completar 58 anos no próximo dia 30 de janeiro..Ossufo Momade torna-se o terceiro líder da Renamo, sucedendo a Afonso Dhlakama, que dirigiu o partido entre 1979 e maio de 2018, quando morreu vítima de doença. A Renamo, fundada em 1975, foi inicialmente dirigida por André Matsangaissa, morto em combate em 1979 num confronto com as forças da Frelimo..Este que foi o sexto congresso da Renamo decorreu nas matas da Gorongosa, tendo pouco antes da sua realização Momade argumentado não existirem condições de segurança para a realização num dos centros urbanos do país..O novo líder, que alcançou 410 votos entre os cerca de 700 delegados, teve como adversários o irmão mais novo de Afonso, Elias Dhlakama, com 238 votos, o secretário-geral cessante Manuel Bissopo, com sete votos, e o deputado eleito pelo círculo de Tete, Juliano Picardo, com cinco votos. O ex-cabeça-de-lista para a autarquia de Maputo e antigo comandante da guerrilha Hermínio Morais acabou por retirar a candidatura e apoiar Momade..Nascido na ilha de Moçambique, muçulmano e considerado um dos mais experientes (e discretos) dirigentes militares e políticos da Renamo, Momade viu um antigo sonho cair por terra com a morte de Dhlakama, em 2018, e a coordenação interina do movimento que assumiu então. Aspirava a licenciar-se em Direito e frequentava o segundo ano do curso em Maputo, que teve de abandonar. Quando assumiu a coordenação interina, Momade teve também de renunciar ao mandato de deputado e mudar-se para o "santuário" da Renamo, as matas da Gorongosa..Em criança estudou na escola primária de Luís de Camões, na ilha de Moçambique, prosseguindo depois o ensino comercial até à independência, em 1975, quando foi integrado nas forças armadas do novo país..Agora, em 2019, as suas prioridades são os combates políticos de um ano que se pode considerar decisivo para Moçambique. Além da concretização do processo de desmobilização, desarmamento e reintegração, assinado ainda por Afonso Dhlakama e pelo presidente Filipe Nyusi, cuja lenta aplicação é criticada pela Renamo, as eleições gerais de 15 de outubro, em que Momade será o candidato presidencial do partido, serão outro desafio determinante para a liderança do novo líder da oposição..As acusações de fraudes generalizadas sucedidas nas autárquicas de outubro (e em anteriores processos eleitorais) antecipam uma crise política de contornos imprevisíveis a suceder numa conjuntura em que a credibilidade da Frelimo enquanto partido do governo tem vindo a sofrer considerável erosão.."Claro aviso à Frelimo".Como salientava o diretor do programa África da Chatham House, Alex Vines, falando recentemente à Lusa, as autárquicas de outubro deixaram "um claro aviso para a Frelimo" - "uma parte importante do eleitorado está a mudar o seu apoio para a Renamo, não por apoio ao partido, mas como forma de protesto pela inabilidade do partido no poder" gerir sucessivas crises. Entre estas, o caso da dívida oculta, de que é episódio mais recente a detenção na África do Sul do antigo ministro das Finanças moçambicano Manuel Chang, a 29 de dezembro de 2018..O escândalo da chamada dívida oculta designa os empréstimos feitos a três empresas públicas moçambicanas em 2013-2014 no valor estimado de 1,9 mil milhões de euros, que foi ocultado das contas públicas. Em paralelo, está ainda por identificar o paradeiro de quase 880 milhões de euros de fundos públicos, desaparecidos durante a presidência do antecessor de Nyusi, Armando Guebuza (presidente entre 2005 e 2015)..O grande desafio de Momade será não só a campanha eleitoral de outubro, os resultados que ele próprio e o partido obtiverem e se, mais uma vez, sucederem acusações de fraudes e irregularidades. O desafio será também, o de surgindo estas, como a Renamo e o seu líder irão gerir as tensões daí decorrentes com a Frelimo..Deputado desde 1999.Um desafio sem dúvida à altura do percurso daquele que, desde cedo, ganhou reputação de incondicional fidelidade a Afonso Dhlakama, como se prova pelo facto de menos de cinco anos após a integração na Renamo ser um dos seus principais chefes militares. É-lhe ainda atribuída a abertura da "frente de Nampula" no início dos anos 80..Após o Acordo Geral de Paz, assinado em Roma em 1992, Momade opta pela via política e integra a bancada parlamentar da Renamo, eleito pelo círculo de Nampula em 1999. Assume o cargo de secretário-geral do partido em 2007 em que é substituído em 2013 por Manuel Bissopo..Pelo caminho, foi responsável pelo departamento dos assuntos religiosos da Renamo e um dos monitores do processo de acantonamento resultante do acordo de 1992..Foi sempre considerado uma personagem discreta e o grau de lealdade a Dhlakama ter-lhe-ão valido de forma positiva em vários momentos de tensões internas assim como na atribuição de delicadas negociações políticas..Para já, tem de provar, como o disse a poucos dias do congresso, que a "Renamo está unida (...) e ruma à vitória". Uma nota de otimismo a que voltou numa intervenção perante o congresso na Gorongosa, onde não podia deixar de citar Dhlakama: "O nosso saudoso presidente ensinou-nos a saber transformar as dificuldades em fonte de inspiração e crescimento.".Perante a conjuntura dos últimos tempos, talvez nunca a Renamo tenha tido condições tão favoráveis para crescer em termos políticos. Até onde, essa é a questão. E o desafio de Ossufo Momade.