O indiano condenado por terrorismo que quer voltar à prisão em Portugal

Da fuga para Lisboa com a namorada de Bollywood à prisão perpétua na Índia, o indiano Abu Salem pede o regresso a uma cadeia portuguesa. Hoje recebeu a visita de diplomatas de Portugal
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Quando Abu Salem, acompanhado pela namorada, a atriz de Bollywood Monica Bedi, foi detido numa residencial de Lisboa em 2002, estaria longe de imaginar que o regresso a uma prisão portuguesa ainda iria ser o seu maior objetivo. É o que acontece agora ao indiano extraditado por Portugal em 2005 e que, desde aí, já foi condenado a duas penas de prisão perpétua na Índia por ser um dos responsáveis por uma vaga de atentados terroristas que causou a morte de 257 pessoas em Mumbai. Salem pede que o acordo de extradição seja revogado por graves violações, como a duração da pena ser superior à máxima portuguesa de 25 anos e de estar a ser alvo de tortura e maus tratos.

Por isso, oficiais da Embaixada Portuguesa em Nova Deli estão hoje de visita à prisão de alta de segurança de Taloja, em Mumbai, para ouvir o recluso. A visita decorre depois de Abu Salem, alegado terrorista, se ter queixado e de a sua defesa pedir, desde 2011, a revogação da extradição. Manuel Luís Ferreira, advogado de Salem em Portugal, critica o Ministério dos Negócios Estrangeiros por não o ter avisado atempadamente da visita, em que, defende, deveria estar presente.

"O bom senso levava o Ministério a avisar-me. Assim está a confusão instalada, os elementos que foram à prisão não sabem o que está em causa. Era importante falar com o meu cliente", disse ao DN o advogado que tem contestado a extradição e que promoveu duas ações para o regresso de Abu Salem a Portugal para aqui cumprir pena. Uma corre no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa e outra no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. "Quando o meu cliente foi extraditado, foi na condição de que nunca iria cumprir mais que 25 anos de prisão, o máximo permitido em Portugal. Mas neste momento já tem três condenações", disse o advogado. Salem foi condenado a duas penas de prisão perpétua, em 2015 e 2017, pelo envolvimento em atentados bombistas, e na semana passada foi punido com outra pena de sete anos por extorsão.

Namorada de Bollywood

Abu Salem foi detido em Lisboa em 2002, quando estava em fuga às autoridades acompanhado da namorada Monica Bedi, atriz de Bollywood que, após cumprir pena em Portugal, regressou à sua atividade no cinema e música. Salem era procurado por ser um dos alegados responsáveis pela vaga de atentados que, em 1993, assolou Mumbai (na altura ainda conhecida por Bombaim). Morreram 257 pessoas e houve centenas de feridos nestes atos criminosos que surgiram como alegada resposta à repressão das autoridades a motins que ocorreram nesse ano.

Em Portugal, Salem e Bedi foram condenados. O homem foi punido com quatro anos e meio de prisão efetiva, por uso de documentação falsa, falsificação de identificação e residência, e coação. A atriz foi condenada a dois anos de prisão por uso continuado de documentos falsos. Ambos acabaram por ser extraditados, após decisões dos tribunais portugueses a pedido da Índia.

Como era procurado por crimes punidos com prisão perpétua, a extradição de Salem mereceu reservas, mas acabou por ser efetuada através de um acordo entre Estados. A Índia comprometia-se a não aplicar uma pena de prisão superior a 25 anos nem a pena de morte. Mas em 2015 e 2017, Salem foi sentenciado a duas penas de prisão perpétuas pelos atentados terroristas de 1993. Além disso, queixa-se de maus tratos e de tentativas de homicídio.

Diplomacia não é garantia

Com os dois processos iniciados na justiça, o MNE português interessou-se pelo caso após o ministro Augusto Santos Silva ter sido citado pela defesa do indiano para depor no processo que corre em Lisboa. Para Manuel Luís Ferreira, Portugal deve determinar de imediato a revogação da extradição e promover o regresso de Abu Salem a cadeias portuguesas. Apoia-se em duas decisões, do Tribunal da Relação de Lisboa (em 2011) e do Supremo Tribunal de Justiça (em 2012) que confirmaram o desrespeito pelo acordo e defenderam a revogação. O Tribunal Constitucional também se pronunciou, mas indicou que o assunto deve ser resolvido pela via diplomática.

"A via diplomática envolve todo um mundo de acordos, negócios e interesses que não garantem a defesa dos direitos do meu cliente", alerta Manuel Luís Ferreira, advogado especializado em casos de extradição, como foi na situação de Paramjeet Singh, um sikh que vive em Inglaterra com o estatuto de refugiado político e que foi detido em Portugal devido a um mandato de detenção internacional pedido pela Índia. Neste caso, em 2015, Portugal recusou a extradição.

A estas questões denunciadas por Abu Salem, a Índia, que aceitou a visita esta terça-feira de oficiais portugueses, diz que Salem apenas cumpriu 14 anos de prisão e que, portanto, não ultrapassou a pena máxima portuguesa de 25 anos. Rejeita também as acusações de maus tratos e torturas que os elementos portugueses hoje devem ter ouvido da voz de Abu Salem.

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