O humorista da "gunada" e o rapper do improviso são os reis do YouTube

Um faz piercings, o outro canoas. Mas não é por isso que são conhecidos. No YouTube, Fábio é NTS e Alexandre Santos é autor de vídeos com humor corrosivo e sotaque do Norte. O +TVI já lhes abriu as portas da TV. Mas eles querem mais.
Publicado a
Atualizado a

Alexandre e Fábio podem ser nomes desconhecidos dos pais, mas são ídolos de milhares de adolescentes portugueses que, no YouTube, lhes seguem todos os passos. Juntos, somam 237 mil seguidores na rede social de vídeos. A TVI reparou neles e, em 2014, juntou-os no Pancas da Semana, programa do canal de cabo +TVI que, entretanto, terminou a sua primeira temporada. Mas a amizade entre o rapper e o humorista não começou por obra e graça da estação de Queluz de Baixo. "Conhecemo-nos através da net e fomos trabalhando juntos. Ele foi puxando por mim e eu por ele. Depois, quando o Alexandre foi chamado para fazer o programa, tentou inserir-me no formato", explica NTS [sigla de Não Tem Significado, nome artístico de Fábio Ribeiro], que manteve em Pancas da Semana a rubrica Rimas Grátis.

Além da empatia, a ambição profissional, como explica Alexandre, foi um dos fatores que ajudaram a cimentar a ligação com o rapper. "Ambos queremos atingir outras metas e ajudamo-nos mutuamente", explica o humorista. Opinião corroborada por Fábio. "Como temos mais ou menos os mesmos objetivos, cada um na sua área, fomos dando dicas um ao outro. E a amizade cresceu, paralelamente ao trabalho. Acho que é isso que nos une e essa cumplicidade faz que sejamos chamados para trabalhar juntos."

O que querem, então, alcançar as duas estrelas portuguesas do YouTube? "Eu quero sucesso. Não me interessa a fama. Quero ser conhecido por aquilo que faço... apesar da linguagem que uso e dessas cenas todas", afirma Alexandre Santos. A "linguagem" e "essas cenas todas" do humorista estão espelhadas nas dezenas de vídeos partilhados no seu canal (Alexandreee07, criado em 2009). O sotaque nortenho, o calão e a gíria popular usada na zona do Grande Porto são algumas das marcas distintivas do seu discurso. Termos como "gunada", "estrondeira" fazem parte do léxico habitual de Alexandre Santos.

"Naquilo que faço quero ser o melhor. Acho que não há nada impossível de atingir. Tenho os pés bem assentes na terra, mas os meus sonhos não têm limites", diz NTS. Esta dupla improvável tem feito vários espetáculos conjuntos, que juntam o humor ao rap de improviso. Um dos momentos altos das atuações acontece quando sobem ao palco para fazer uma battle. "Eu mando algumas bocas, mas a determinada altura da noite improvisamos um contra o outro. Ele é mais sério, eu sou mais para a palhaçada [risos]", conta Alexandre.

Um dos momentos mais marcantes do percurso conjunto aconteceu, ironicamente, fora de Portugal. "No Luxemburgo, estávamos a almoçar e tínhamos 400 pessoas à nossa volta. Não fazíamos a mínima ideia de que ia ser assim", conta Fábio, referindo-se a uma sessão de autógrafos que reuniu centenas de emigrantes portugueses. "Quem está fora e é português apoia muito mais o que é de cá do quem está em Portugal", acrescenta.

"As pessoas ainda têm a ideia de que só quem está na televisão é que existe"

Em Portugal, a aposta dos canais de televisão em talentos nascidos nas redes sociais ainda é tímida. Aconteceu, em 2013, na TVI, com o programa A Verdade de cada Um (que juntou os youtubers Nurb, Diogo Sena, Kiko Is Hot e Anny Is Candy) e, no +TVI, com Pancas da Semana, além de participações esporádicas de outros artistas em programas como o Curto Circuito, na SIC Radical, e no Canal Q. "Acho que há uma incapacidade de ver mais além." justifica NTS.

Alexandre acredita que a dificuldade de penetrar nos media tradicionais não se deve apenas aos canais de televisão mas também ao público. "As pessoas ainda têm a ideia de que só quem está na televisão é que existe e que quem está no YouTube está lá a fazer umas brincadeiras", adianta. "Em Portugal, além de darmos muito mais valor ao que vem de fora, também damos mais importância a quem aparece", acrescenta NTS, afirmando: "A partir do momento em que uma pessoa está na televisão adquire um estatuto que lhe permite, salvo seja, fazer o que quiser. E há pessoas que estão na televisão, que fazem um trabalho com menos qualidade mas que, como estão lá, têm a aceitação de que precisam". De forma irónica, NTS recorda que esteve recentemente em Luanda a atuar no espaço Chill Out e que recebeu dezenas de mensagens depois da viagem a Angola. "Por ter estado lá, ontem não era nada e hoje já sou um artista internacional. Acho estúpido. Para mim, tocar em Gondomar ou em Luanda é a mesma coisa."

Felix Kjellberg, mais conhecido no YouTube por PewDiePie, é rei e senhor da plataforma de vídeos. O gamer sueco de 25 anos, cuja ocupação é fazer vídeos a jogar e a comentar videojogos, fatura 3,4 milhões de euros por ano. Uma meta que está a anos-luz do que um youtuber português pode sonhar alcançar. "Em Portugal não dá para viver só do YouTube. Nem pensar!", garante Alexandre Santos. "Ou fazemos um vídeo com um milhão de visualizações por mês ou então não dá! O YouTube é um meio para atingir um fim. É como ter um CD... não acredito que alguém viva apenas da venda de álbuns. É apenas um meio para conseguir fazer espetáculos", acrescenta NTS.

O YouTube acaba por ser um part time para os dois jovens que, no dia-a-dia, têm ocupações bastante distintas daquilo que fazem online. "Eu sou body piercer. Tenho uma loja de tatuagens em Espinho. É algo que gosto de fazer, mas, a partir do momento em que puder viver unicamente da música, abandono o negócio", conta NTS. "Já eu tenho um trabalho mais humilde, que é fazer canoas", revela Alexandre Santos, que trabalha numa empresa nortenha que fabrica embarcações para competição desportiva.

NTS é de Paços de Brandão e Alexandre Santos de Vila do Conde. O facto de estarem sediados no Norte do país é, paradoxalmente, uma vantagem e um entrave, como explicam. "O pessoal adora o sotaque do Norte e isso, para mim, é uma mais-valia", afiança o humorista, acrescentando: "As pessoas procuram coisas no YouTube que não encontram na televisão. No caso do Fábio, é o rap de improviso, que não há muita gente a fazer, no meu caso, é aquela comédia mais agressiva, à moda do Porto." O rapper acredita que a centralização do mercado na capital acaba por dificultar o avanço das respetivas carreiras. "Infelizmente, ainda é assim. Em Lisboa há um mundo de oportunidades. Mas se conseguirmos alcançar o sucesso aqui vai saber ainda melhor. Há muitas pessoas que o conseguiram no Norte. O Cristiano Ronaldo conseguiu-o na Madeira... nada é impossível."

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt