O humor e os direitos dos outros

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O humor é livre e importante nas sociedades democráticas. Mas o facto não invalida que se na expressão criativa, pessoas ou instituições forem injustamente injuriadas, ou difamadas, o direito à indignação e a defesa dos valores atingidos possam ser igualmente exercidos.

A RTP emitiu um desenho animado, retratando polícias que representam o Estado, como racistas que descarregam armas em função da cor da pele. E no caso, se o autor tem o direito de ilustrar desta forma o seu preconceito, também os polícias e a PSP têm razões para se sentir ofendidos.

Nenhuma entidade ou instituição é imune a maus exemplos. Mas traçar perfis coletivos a partir da casuística minoritária é profundamente perverso.

Reagindo à polémica, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva argumentou: "o autor já reconheceu que aquele cartoon é sobre a França" e "devemos levar a sério essa autonomia do que é o humor e o humor sobre a atualidade política nacional e internacional".

Acontece que quem veja a peça animada uma, vinte ou cinquenta vezes, não retira dela nenhuma sugestão ou evidência, de que visados eram os polícias franceses. Pelo contrário, o que ali se encontra é um agente fardado de azul, como a PSP e as letras POL, comuns a muitas forças de segurança. Não fosse absurda a generalização, os polícias portugueses não se teriam sentido vilipendiados e a PSP não teria apresentado queixa-crime. Logo, a perceção dos destinatários gauleses como alvo, só por interpretação livre do ministro da Cultura, ou esclarecimento tardio dos autores, sempre questionável pelas circunstâncias.
A este propósito esteve melhor o ministro da Administração Interna, que ainda que tardiamente, informou ter manifestado desagrado ao presidente do Conselho de Administração da RTP, que também depende do Estado, pelo ocorrido.

Evidentemente, em causa está o bom nome e a honra daqueles que todos os dias arriscam a vida, e às vezes a perdem, para salvaguarda e defesa das nossas liberdades. Diga-se também, que se a generalização feita foi injusta em relação aos polícias portugueses, o é igualmente a propósito dos franceses e pela mesma ordem de razões.
Por último, só se pode lamentar que o ministro da Cultura faça uma defesa "à la carte" do dito "humor sobre a atualidade política nacional e internacional."

Quando há semanas foi caricaturado numa manifestação de professores, o primeiro-ministro viu na expressão artística, mesmo se de mau gosto, uma afirmação de racismo. Foi secundado pelo presidente do PS Carlos César, que falou de "racismo sindical abjeto e odioso" e por outras personalidades do partido.

O autor bem que negou o propósito e avançou diversas justificações filosóficas para as particularidades do desenho. Para o que importa, foi depois excluído de uma exposição artística integrada na conferência COMbART, dinamizada pela Universidade Nova de Lisboa e Universidade do Porto.

Consta que perante a retaliação censória, o ministro da Cultura ficou em silêncio. Fez mal. Afinal, em democracia, se a liberdade criativa é importante, tem de ser para todos. Conviria que pensasse nisso.


Líder do CDS-PP

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