O homem que fugiu com dois linguados
Procura-se um homem, mas não, não é esse. Este é também criminoso, mas suave. Fugiu com dois linguados vivos debaixo do braço. A videovigilância mostrou-o como um funcionário que leva uma pasta, mas mexiam-se, eram barbatanas a dar a dar. Do homem nada se sabe porque estava encapuzado. Tinha fortes motivos para isso: além do duplo rapto deixou três feridos. Todos linguados - ou solhas, dirão os leitores mais populares - ou como se diz no local do crime: Platichhys flesus. O homem assaltou um lugar de ciência, a Estação-Piloto (não, não é esse) de Piscicultura de Olhão. Entre os dois desaparecidos e os feridos (à forquilha, diz-me a reportagem do Público), "perderam-se dois a cinco anos de estudos científicos", lamentou-se um biólogo. As vítimas foram selecionadas durante anos, e acabaram fritas por um assomo de neorrealismo. Um dia, vi um filme de Sophia Loren, era durante a guerra e ela foi apanhar um cisne a uma fonte de Roma, para o levar para a panela. Não foi, julgo, La Ciociara (Duas Mulheres), não, tenho a certeza, não foi porque a plateia riu. E não se ria em La Ciociara, filme da mãe que dava a mão à filha, de 12 anos, violada (olá, Nadia e Lamiya, mulheres yazidis, agora Prémio Sakharov, nunca é de mais saudar-vos). No outro filme, o do cisne, ria-se, apesar do cisne; e com esta história dos linguados sorri-se, apesar do abuso ao trabalho dos biólogos. Dois linguados - às vezes é estreita a distância do drama ao riso.