Os Preponderantes soma 400 páginas com um título menos sedutor que o do romance de F. Scott Fitzgerald, O Grande Gatsby, mas com uma narrativa que faz lembrar a desse escritor, tão amado como maldito para Hollywood. Não será por acaso que o Hédi Kaddour o escolheu, pois era a designação do clube onde se reuniam as figuras importantes do mundo árabe e os representantes do protetorado francês numa pequena cidade magrebina nos anos 20 do século passado, a fictícia Nahbès..Onde de um dia para o outro toda a realidade é alterada com a chegada de uma multidão de atores e técnicos vinda dos estúdios de Hollywood para rodar um filme na região. Poder-se-ia dizer que era uma boa ideia a que francês, nascido na Tunísia em 1945, Hédi Kaddour teve, mas a realidade é outra como o próprio conta: "Estava a investigar na biblioteca e deparei-me com a história de um cineasta americano que foi filmar para o Magrebe nos anos 20. Era mais económico para os custos do filme ser realizado ali por ser mais perto e onde também havia árabes e camelos para o cenário." Além dessa razão, diz, o protetorado francês que administrava a região tinha criado boas infraestruturas que facilitavam as filmagens: "O que não preocupava os americanos era que a revolução de costumes em curso nos Estados Unidos nesses anos 20 atingisse aquela sociedade do norte de África colonial como um furacão.".É esse o ambiente do seu romance, onde se pode constatar um choque de civilizações entre os atores muito mais liberais no modo de vestir, designadamente as roupas que deixam a descoberto as atrizes de lábios pintados e rosto descoberto, bem como o comportamento mais descontraído dos homens, face a uma população árabe conservadora e religiosa. Explica: "Além dos mais velhos, o meu interesse é também numa juventude da burguesia nacionalista que reúne duas culturas, uma educação árabe clássica e outra do liceu francês, que considera o tradicionalismo religioso como a causa do atraso e vai fazer parte das gerações que irão governar nos anos 50.".Também não faltará a Alemanha neste romance, o que tornará tudo mais complexo: "Queria fazer um romance-mundo, não sobre o mundo mas um em que coexistem mundos diferentes que entram em contacto, conflito e diálogo, e poderia beneficiar-me do conhecimento acumulado em muitos anos sobre a cultura americana, a do Magrebe e a europeia franco-alemã." O facto de trabalhar sobre quatro culturas diferentes não foi um problema, refere, porque desconhecia muito do que se iria passar em Os Preponderantes, situação que só vai descortinando após terminar cada capítulo: "Nunca sei bem o que se segue pois não tenho um plano total do romance e as personagens ao ganharem força obrigam-me a mudar a direção.".Quando se lhe refere a linguagem cinematográfica do seu romance, Kaddour não nega que seja um grande admirador do cinema desta época em que o seu romance vive: "Os filmes eram a preto e branco e mudos, que é um tipo de cinema de que gosto, tão bom que posteriormente as grandes obras-primas desta época foram todas repetidas em tecnicolor duas décadas depois. Um filme saía em abril em Los Angeles e em junho estava a ser exibido em todos os cantos do planeta, porque eram muito bons"..Quando se refere uma sonoridade literária perto da de F. Scott Fitzgerald, Hédi Kaddour não se incomoda com a comparação: "É um elogio porque também vejo o meu romance como O grande Gatsby do mundo colonial." Acrescenta que é autor de quem gosta bastante, mas se tiver que escolher quem o inspire prefere Joseph Conrad. O mesmo não se passa quando se o classifica de romance histórico: "A grande diferença entre o que faço e o historiador é que este é exaustivo na investigação sobre o que se passou, por exemplo, entre França e Alemanha em 1923, mas eu, que consulto as mesmas fontes, terei um resultado diferente. Vou à pesca mas só quero o peixe bom, mesmo que às vezes sejam as histórias que me escolhem e não ao contrário..Foi a primeira vez que esteve em Portugal, do qual conhece bem a literatura de Pessoa e Lobo Antunes. Não evita comentar o facto de ter sido finalista do Goncourt de 2015 e ter perdido, porque a "campanha publicitária do Prémio é uma grande ajuda para dar a conhecer o meu trabalho". Afinal, a sua obra, em poesia e prosa, tem sido amplamente reconhecida em França e no estrangeiro. O que não comenta é o outro choque de civilizações em curso, entre Ocidente e Oriente, que coincide com o da sua obra: "Comecei a escrever há seis anos, nessa altura não se imaginava este presente. Trabalho em função do romance, não sou um ideólogo."