1- Em setembro próximo completam-se dez anos de aplicação do atual regime de governo das universidades (RJIES) aprovado em 2007. Pretendia-se, com esta importante reforma, modernizar as instituições de ensino superior tornando-as mais autónomas, qualificadas, abertas, transparentes e responsáveis. De forma bastante inovadora, o RJIES, no artigo 185.º, estabeleceu a obrigatoriedade de avaliação da sua aplicação cinco anos após entrar em vigor. Na altura, a exigência da avaliação, sobretudo das universidades que adotaram o estatuto fundacional, foi a resposta encontrada para todos aqueles que não concordavam com as alterações aprovadas, incluindo os partidos políticos com representação parlamentar..2- Passarão dez anos sem que essa avaliação seja realizada? Os partidos políticos e os sindicatos estão a dar sinais de alguma impaciência, começando a surgir no debate público propostas de revisão do RJIES, de extinção do regime fundacional, de alteração do sistema binário de organização do ensino superior, entre outras matérias. Considero que será muito negativo que se produzam alteração deste tipo sem qualquer avaliação prévia formal e fundamentada, que deverá incluir uma ponderação do que é necessário alterar ou do que, sem alterações à lei, é necessário simplesmente regulamentar. Mas estou também convencida de que nada fazer, ignorar os problemas, só pode dar mau resultado..3- Apesar da inexistência de avaliação, têm sido produzidos relatórios e estudos que, embora parciais e avulsos, permitem hoje um conhecimento razoável de algumas das condições de concretização do RJIES e dos seus impactos. Sabe-se que há resultados positivos, mas também problemas gerados, alegadamente, por práticas não conformes ao espírito da lei. Refiro apenas dois exemplos..Em primeiro lugar, a relação entre os reitores e os conselhos gerais. Os conselhos gerais foram concebidos como órgãos de orientação estratégica das instituições de ensino superior, com elementos externos à universidade, e de supervisão geral da instituição. Têm competências de escolha e fiscalização do reitor. Os seus poderes são o contraponto dos poderes executivos reforçados dos reitores. Porém, na prática, em muitas universidades o reitor exerce um papel ativo na criação e composição do conselho geral, transformando-o numa extensão do seu poder e inviabilizando o necessário equilíbrio e separação de poderes pretendido na lei. Tudo fica ainda mais grave quando o mesmo acontece na relação dos reitores com os conselhos de curadores, no caso das universidades fundação. É o princípio da separação de poderes substituído pelo do alinhamento..Em segundo lugar, o uso perverso da autonomia de gestão, designadamente na aplicação do ECDU, muito evidente em dois domínios. Por um lado, os mecanismos de flexibilização do recrutamento e da contratação de docentes, concebidos para a contratação de professores estrangeiros ou altamente qualificados, estão a ser usados no sentido exatamente oposto. Isto é, para manter fora da carreira docente centenas de professores e investigadores doutorados. Por outro lado, a rigidez associada à existência de lugares de quadro, substituída no ECDU pela exigência de uma maioria de docentes qualificados, associados e catedráticos (entre 50% e 70%), está a ser usada como rolo compressor dos salários dos professores. Na maioria das instituições, a situação é muito pior do que antes da revisão do diploma, situando-se abaixo dos 25% o rácio de associados e catedráticos..4- Estes e outros problemas acontecem por duas razões. Por um lado, porque são insuficientes, no RJIES, os mecanismos de responsabilização dos membros externos dos órgãos de governo das universidades. Com o RJIES ficaram muito diminuídos os poderes de intervenção e de tutela do governo. Não estando previstos mecanismos de fiscalização e de recurso, o único caminho para a resolução dos problemas é o recurso aos tribunais administrativos, com tudo o que isso tem de negativo e de ineficaz. Por outro lado, são insuficientes os mecanismos de salvaguarda ou de garantia dos princípios da separação de poderes e de autonomia dos órgãos internos de governo das universidades. Não creio que para os resolver seja necessário alterar a lei, mas tenho a certeza de que são necessários um exercício de avaliação rigoroso e transparente e um esforço de regulamentação complementar eficaz.