A batalha para expulsar o ISIS da cidade iraquiana de Mossul é muito mais do que uma simples tentativa de derrotar o "autodenominado Estado Islâmico" num dos seus mais importantes bastiões. Aliás, o ISIS sempre se movimentou livremente no Iraque e na Síria, como se houvesse interesse em que cometessem todas as atrocidades que lhes são conhecidas. A coluna de Toyotas que atravessou o deserto em direção a Palmira era visível de qualquer satélite, até de avião, e facilmente seria abatida, sem atingir civis. Mas era mais conveniente que fizessem toda a destruição e cometessem todos os crimes, porque todas as partes envolvidas no conflito teriam razões, e legitimidade, para continuar numa guerra que começou por uma simples sublevação contra um presidente com vícios ditatoriais, como tantos outros regimes que há espalhados pelo mundo..A batalha de Mossul tem por isso de ser analisada num contexto mais vasto, e não apenas na sua dimensão estratégica local. É certo que é a terceira cidade iraquiana, a antiga cidade bíblica de Nínive, que tem uma das principais barragens do país, e que é essencial para a segurança e a estabilidade do Curdistão iraquiano, mas é muito mais do que isso..Não é por acaso que Washington, que está em vésperas de mudar de inquilino, está a preparar-se afincadamente para esta batalha, como nunca o fez, e poderia ter feito, enviando mais 600 militares, perfazendo um total de seis mil só no Iraque. Por outro lado, o presidente turco Erdogan afirmou, no passado dia 1 de outubro, que "faz questão de ter um papel ativo na libertação de Mossul", tendo já enviado mais de 200 homens. Tal atitude foi encarada pelo primeiro-ministro do Iraque, o xiita Haider al-Abadi, como uma intervenção direta turca nos assuntos internos do seu país, e logo avisou que atacará as tropas turcas se elas permanecerem muito mais tempo em solo nacional iraquiano. A resposta não se fez esperar e nesse mesmo dia, 5 de outubro, o primeiro-ministro turco Numan Kurtulmus, afirmou que "ninguém tem o direito de se opor à presença da Turquia no Iraque, quando o país se está a fragmentar". Não podemos esquecer que Ancara tem em Bashika, que não fica muito distante de Mossul, uma base onde treina tropas sunitas e peshmergas, os curdos sunitas do Iraque. É claro que tal não agrada ao governo de Bagdad, apoiado pelas milícias curdas xiitas, que têm obviamente ligações ao PKK que a Turquia desejava que não existisse. Assad, por seu lado, teme que esta batalha de Mossul seja uma manobra para encobrir a saída dos jihadistas do ISIS para Aleppo, onde juntamente com a Rússia, tem conseguido importantes vitórias. Por isso se justifica o empenho de Putin na batalha de Mossul, para assegurar que há vontade de aniquilar o "autodenominado Estado Islâmico" na sua mais importante base no Iraque. Por outro lado, sendo que qualquer um dos candidatos à Casa Branca é muito mais beligerante do que Obama, é melhor assegurar o máximo de posições até às eleições de novembro, porque Hillary já defendeu que é necessário controlar o espaço aéreo sírio, o que implicaria uma guerra aberta com a Rússia..O que se passa em Mossul tem de ser visto numa análise mais alargada, porque a vitória dos curdos peshmergas é também uma vitória dos sunitas, e de todos os países que na região os apoiam. Afinal, a guerra na Síria também se tornou um conflito entre sunitas e xiitas, e o que acontecer em Mossul vai refletir-se, e ter consequências, na vizinha Síria. Há também o velho interesse estratégico em enfraquecer o crescente xiita no Médio Oriente, composto por Damasco, Bagdad e Teerão, e que representa também o isolamento russo, por causa das bases que Moscovo tem em Tartus e Latakia. Joga-se o futuro do Iraque em Mossul, até porque o célebre plano de redesenhar o Médio Oriente ainda está vivo, e fragmentar o Iraque e a Síria ainda é a melhor solução para destruir o célebre "Eixo do Mal" de Bush e Blair. *Diretora da Casa Árabe