Tem qualquer coisa de didáctico o facto de o filme Rudo e Cursi, (estreia-se hoje) do cineasta mexicano Carlos Cuarón, irmão de Alfonso Cuarón (Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban), surgir no mercado português 24 horas depois de o Manchester United ter fixado o valor de uma possível transferência de Cristiano Ronaldo (para o Real Madrid) em 96 milhões de euros. .De facto, independentemente das qualidades e méritos do jogador português, é salutar lembrar que o mundo global do futebol não pode ser reduzido a uma espécie de Olimpo prometido onde todos os jovens encontram uma realização utópica (e muito bem paga...). .Rudo e Cursi é mesmo a história de dois irmãos que tentam singrar no futebol, aprendendo, à sua própria custa, que há uma fronteira muito vaga entre os sonhos prometidos e as mais profundas desilusões..Repare-se: o filme não é feito "contra" o futebol. Trata-se mesmo de contar uma história que nasce de uma genuína paixão pelo jogo e, mais do que isso, de uma crença profunda na energia transformadora dos seus protagonistas. O que aqui se narra é indissociável de toda uma exigência realista que tem servido de bandeira a algum do melhor cinema mexicano dos últimos anos (recordemos, por exemplo, E a Tua Mãe Também, uma realização de Alfonso Cuarón, cujo argumento era co-assinado pelos dois irmãos)..Conhecemos as personagens centrais como empregados na recolha de bananas. E se é verdade que, muito cedo, se impõem como deliciosas e contagiantes figuras de um universo de comédia mais ou menos burlesco (são brilhantes as composições de Gael García Bernal e Diego Luna), não é menos verdade que o filme nunca abdica de uma dimensão quase documental que nos leva a encarar personagens e cenários muito para além das respectivas aparências..Este é, afinal, um cinema que consegue lidar com os sinais do quotidiano sem os submeter a qualquer tipo de normalização, seja ela dramática ou moral. Dito de outro modo: mesmo no seu crescente impacto internacional (Rudo e Cursi tem os estúdios americanos da Universal associados à sua produção), o cinema mexicano não abdica das suas singularidades temáticas e culturais.