O fotógrafo chileno que viveu duas revoluções e renasceu em Portugal

Roberto Santandreu chegou a Portugal pouco depois da Revolução dos Cravos. Teve a primeira máquina fotográfica aos 6 anos
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Antes de chegar a Portugal, Roberto Santandreu viveu em sete países. Filho de um diplomata chileno e de uma cantora de ópera brasileira, nasceu em Itália e antes de lá regressar, na adolescência, já tinha vivido no Brasil - onde descobriu e se apaixonou pela fotografia -, no México e na Costa Rica, à boleia do trabalho do pai. Depois do golpe militar de 1973 e da fuga do Chile, esteve no Reino Unido (foi um dos "sete estudantes chilenos" por detrás de um debate sobre asilo político que envolveu a Câmara dos Lordes, tribunais e a Amnistia Internacional) e na Noruega, que o acolheu como refugiado. A Revolução dos Cravos e os diapositivos de um amigo do 1.º de Maio de 1974 trouxeram-no para Portugal. "Fiquei louco com aquelas imagens", conta na sua casa em Cascais.

"Aqui renasci, porque tive o privilégio de ver duas revoluções. É difícil uma pessoa numa geração ter esse privilégio. O tempo até ao 25 de Novembro [de 1975], quando começa a institucionalização, é uma coisa minúscula, mas a quantidade de factos, de histórias e de contradições que acontecem nessa altura é de uma riqueza fantástica", recorda. Antes, vivera o processo que levou Salvador Allende à presidência no Chile "Nos anos pré-Allende aconteceram muitas coisas, foi a minha formação política, da Unidade Popular, havia coisas a acontecer todos os dias."

Quando Allende ganhou as eleições, em 1970, já Roberto Santandreu - que nasceu em Milão em 1948 - trabalhava com um dos grandes fotógrafos chilenos, Tito Vásquez. "As discussões no laboratório eram muito engraçadas, porque misturávamos discussões de química com política, porque ele era maoista e eu era do MIR, trotskista", lembra. A política estava em todo o lado. "Estive três anos no curso de Filosofia, não estudei porque na altura ninguém estudava nada", ri-se. Quando Augusto Pinochet chegou ao poder em 1973, foi a fotografia que lhe permitiu sair do país. "Inventei que ia fazer um trabalho no Brasil." Na fuga de barco para a Europa a partir daí passou pela primeira vez em Lisboa, ainda antes da revolução - "visitámos a Baixa e bebemos um vinho do Porto". A paixão pela fotografia já vem desde os 6 anos, quando vivia com a família no Rio de Janeiro. "Em Copacabana havia uma loja, a Lutz Ferrando, que era uma ótica, onde eu passava a caminho da escola. Na montra havia óculos e umas caixinhas da Kodak. Pedi uma máquina ao meu pai e no Natal deram-me uma de presente", recorda. Uma foto durante um festival aéreo, em que o avião não era mais do que um ponto no céu, levou-o à descoberta de que "podia transmitir coisas através da máquina". Mais tarde, o pai ofereceu-lhe uma Zeiss, exigindo-lhe que tirasse as fotos da família - "eu negava-me, porque gostava de fazer outras coisas". Tinha 14 anos quando comprou uma Leica, que mais tarde daria ao filho Luciano (fruto do primeiro casamento). Tem também uma filha, Cátia, da companheira portuguesa de há mais de três décadas. A fotografia faria sempre parte da sua vida.

É de Roberto Santandreu a foto de Zeca Afonso que ilustra a capa do seu último disco, Galinhas do Mato (1985). A maior parte do trabalho foi em publicidade. "Até há uns 15 anos tive um grande estúdio. Mas depois fartei-me. A publicidade era diferente. Havia escritores, poetas, artistas que para viver usavam a publicidade, conversas sobre literatura, política... Mas nos anos 1980 vieram os publicitários profissionais do Brasil, que olhavam todos de cima como se fossem génios", diz. A parte artística sempre existiu, mas as exposições só começaram desde 1996 - a próxima deverá ser em Almada, no mês da fotografia.

"Já tenho mais vida aqui em Portugal do que no Chile ou nos outros países. Mas mesmo assim mantenho a minha identidade chilena, nunca pedi a nacionalidade portuguesa." Apesar de falar português perfeito revela: "Penso em castelhano."

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