Os primeiros dias de 2018 ficarão marcados nos Estados Unidos pela publicação do livro Fire and Fury, da autoria de Michael Wolff. Na obra, o jornalista revela que Donald Trump concorreu à Casa Branca apenas para promover a sua "marca" e que entrou em pânico quando se apercebeu que iria vencer as eleições. Acusa também o seu filho de ter deliberadamente conspirado com a Rússia. A resposta pública do presidente Trump veio, naturalmente, através do Twitter, a 5 de janeiro: "Michael Wolff is a total loser who made up stories in order to sell this really boring and untruthful book.".Na verdade, podemos dizer que Donald Trump tuitou furiosamente na primeira metade de janeiro, ultrapassando a dezena de tweets diários por várias vezes. Nos seus tweets, Trump tem insistido sobretudo no seu programa interno, salientando a aprovação de medidas como a reforma fiscal de dezembro de 2017 e as reuniões de trabalho com congressistas republicanos, procurando definir uma agenda comum sobre temas como a imigração ilegal e a economia. Aqui temos Donald Trump a falar para as suas bases: para o eleitorado que nele votou em novembro de 2016 e que voltará às urnas a 6 de novembro de 2018 nas eleições para o Congresso. E Trump sabe bem que o futuro da sua presidência se joga nestas eleições intercalares. O que estará em causa? Todos os 435 lugares na Câmara dos Representantes (que conta atualmente com 239 republicanos e 193 democráticos), 33 lugares no Senado (atualmente com 51 republicanos, 47 democráticos e 2 independentes), para além de 39 eleições para governador e outras eleições locais. Ou seja, em novembro, um Congresso que é atualmente controlado pelo Partido Republicano poderá deixar de o ser, caso as eleições corram bem ao Partido Democrático..Neste contexto, o papel decisivo parece ser desempenhado pelo presidente Trump e a questão que se coloca é a de saber se, como tantas vezes na história, os eleitores norte-americanos vão aproveitar as eleições para o Congresso para manifestar o seu descontentamento com o presidente e com a sua política. É certo que nos Estados Unidos, as questões políticas locais e estaduais, bem como a personalidade dos candidatos, são muitas vezes decisivas nas eleições para o Congresso. No entanto, no caso específico das eleições de 2018, a figura de Donald Trump será incontornável. Tanto mais que, no final de 2017, nas eleições intercalares no Alabama, o candidato Roy Moore, apoiado por Donald Trump, foi derrotado por Doug Jones, que se tornou o primeiro político democrático eleito a nível estadual no Alabama nos últimos 10 anos..A crermos nos números recentes da Gallup, o presidente Trump, um ano depois de tomar posse, apresentava uma taxa de aprovação de apenas 39%, a mais baixa quando comparada com os presidentes das últimas décadas. Estes números parecem apontar, à primeira vista, para um descontentamento generalizado do eleitorado com a administração republicana e, consequentemente, apontam para um resultado punitivo no próximo mês de novembro. No entanto, os números merecem uma leitura mais aprofundada. Em primeiro lugar, a taxa de aprovação de Donald Trump é a maior desde maio de 2017, igualada apenas no mês de julho, apesar de distante dos 45% iniciais. Em segundo lugar, Trump mantém números muito altos entre o eleitorado republicano e este pode ser um ponto decisivo nas eleições de novembro. Segundo o mesmo estudo da Gallup, Trump consegue convencer 82% do eleitorado republicano (começou a presidência com 89%), bem como um terço do eleitorado democrata..Mais importante ainda será o modo como se vai desenrolar o relacionamento entre Donald Trump e o Partido Republicano durante os próximos meses. O ano de 2017 terminou com uma vitória para o presidente e para os republicanos: Trump e o GOP conseguiram um entendimento para aprovar um complexo pacote legislativo (que não é apenas uma reforma fiscal) que poderá permitir aos candidatos republicanos importantes ganhos a nível local. Nos primeiros dias de 2018, Trump procurou manter esta dinâmica e convocou os mais importantes líderes republicanos para um fim de semana em Camp David, para discutir a "agenda legislativa" de 2018..Por outro lado, apesar das polémicas sucessivas, como a publicação do livro Fogo e Fúria e os seus comentários ofensivos para com os países de origem de muitos imigrantes, o presidente tem beneficiado do contínuo crescimento da economia americana, de números históricos e recordes nos índices bolsistas, dos baixos números do desemprego e do alto índice de confiança dos consumidores. Uma sondagem recente da Quinnipiac mostra que 66% dos americanos consideram que a economia se encontra "excelente" ou "boa"..Por conseguinte, embora estejamos ainda a uma distância temporal considerável, conseguimos ir percebendo que os resultados das eleições de novembro vão depender de diversos fatores: em primeiro lugar, como referido, das dinâmicas próprias dos respetivos Estados e das características dos candidatos apresentados pelos dois partidos; depois, da capacidade de Donald Trump e de o GOP manterem o trabalho em comum e a união de esforços de que a aprovação da reforma fiscal no final de 2017 parece ser um bom indicador; em terceiro lugar, da evolução da economia e dos principais indicadores, nomeadamente os números do desemprego e os índices de confiança dos consumidores. A tudo isto, porém, torna-se necessário acrescentar um ingrediente de surpresa e potencialmente disruptivo: a personalidade de Donald Trump, a sua capacidade de surpreender tudo e todos, o seu eventual envolvimento num ou noutro escândalo dando azo ao que se costuma chamar "surpresa de outubro" que este ano até poderá acontecer mais cedo. Afinal de contas, Trump é tudo menos o very stable genius que proclama ser..Diretor do Centro de Estudos Internacionais, ISCTE-IUL