O fado mostra as suas curvas
Mariza tem um Ferrari na voz, e está a aprender a conduzi-lo.Na sua primeira tentativa discográfica, Fado em Mim, o Ferrari revelava o barulho do motor, mas a condução ainda era um pouco inexperiente. No seu novo disco, Fado Curvo, as rotações sobem até valores elevados, as curvas começam a ser feitas com mais segurança, e o carro sai da auto-estrada para se meter por caminhos menos frequentados (ouça-se a sua surpreendente interpretação desse grande tema de José Afonso que é Menino do Bairro Negro) e, por isso, bastante mais interessantes. Claro que, quando se tem um Ferrari à disposição, a sensação de se ficar aquém não nos larga - parece sempre possível fazer melhor, ir mais longe com maior velocidade. Fado Curvo ainda não é o disco de um piloto de Fórmula 1, porque lhe falta alguma experiência e o conhecimento interno de toda a mecânica do motor e da arte de bem conduzir - alguns ataques são demasiado agressivos e, por muito que o público goste, a sua versão de Primavera é dos temas menos criativos do disco (para quê enfrentar o reportório de Amália?). Mas também há por aqui momentos inspirados, como a belíssima Cavaleiro Monge ou Vielas de Alfama (a sujidade da sua voz nos graves é tão bonita), e sobretudo os temas onde Mariza surge acompanhada ao piano (Retrato, Anéis do meu Cabelo, um pouco menos em O Deserto), instrumento com o qual a fadista se dá às mil maravilhas. Mariza ainda não será a Shumacher do fado. Mas está mais perto.