O explosivo aumento do gás que levou à intervenção da Rússia 

A revolta pelo aumento do preço do GPL destapou um ressentimento pelo ex-líder Nursultan Nazarbayev e pelo regime autoritário cazaque, agora defendido por tropas russas.
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Apoiado politicamente por China, Turquia e Rússia, o presidente do Cazaquistão Kassym-Jomart Tokayev rejeitou a ideia de iniciar conversações com os revoltosos, tendo inclusive dado ordens de "atirar para matar". Os Estados Unidos, que na véspera advertiram o regime autoritário em relação ao uso da força, desta vez lembraram que "por vezes é muito difícil fazê-los sair", em referência às tropas russas chegadas ao país da Ásia central na sequência de um pedido de Tokayev.

Há pouco mais de dez anos, uma greve de trabalhadores da indústria petrolífera por melhores condições de trabalho, na cidade de Zhanaozen, foi declarada ilegal e mil pessoas foram despedidas. Dos protestos que daí resultaram, a polícia matou pelo menos 15 manifestantes. Foi na mesma cidade que eclodiu na semana passada o movimento contra o aumento do preço do GPL, gás produzido e exportado pelo Cazaquistão, e que devido ao seu preço mais baixo passou também a ser consumido em carros convertidos pelos automobilistas cazaques.

O aumento do preço dos combustíveis num país de abundantes recursos, mas cuja riqueza permanece na mão de poucos foi o rastilho. Nursultan Nazarbayev, líder do país desde a sua independência, cedeu a presidência em 2019 ao então líder do Senado Tokayev, quando o movimento pelos direitos humanos e democracia se fazia ouvir cada vez mais alto, mas a sua passagem para presidente do Conselho de Segurança demonstrou que a mudança era cosmética. Os manifestantes derrubaram uma estátua do ex-presidente e tinham como palavra de ordem "Shal ket!" (Velho, fora!).

Perante os protestos, que de forma rápida se espalharam a uma dúzia de cidades, em especial a maior, Almaty, o presidente Tokayev dirigiu-se três vezes à população e acabou por, a meio, mudar de rumo. Primeiro procurou acalmar as massas, ao anunciar o despedimento de todo o governo e o afastamento de Nazarbayev, ficando com as rédeas da segurança e da defesa. Depois, no final do mesmo dia, quarta-feira, descreveu os manifestantes como "terroristas" e ato contínuo apelou para a solidariedade da aliança militar liderada pela Rússia, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), composta por seis ex-países da URSS.

Tokayev, que rejeitou qualquer hipótese de conversações com os revoltosos, anunciou ter dado ordens de "disparar para matar", recebeu elogios do líder chinês Xi Jinping pelas "fortes medidas".

Na sexta-feira, o Ministério da Defesa da Rússia disse que paraquedistas expedidos em nove aviões tinham aterrado em Almaty e ajudado a proteger o aeroporto. Segundo o porta-voz de Vladimir Putin, o presidente russo e o congénere cazaque têm falado diversas vezes sobre a situação no país, bem como a missão da OTSC, da qual se desconhecem ainda os detalhes.

O secretário de Estado norte-americano Antony Blinken, que falou com o homólogo cazaque, pediu respeito pelos protestos pacíficos e avisou Nursultan: "Uma lição da história recente é que, assim que os russos estão na sua casa, é por vezes muito difícil fazê-los sair."

Equador
Outubro de 2021

Presidente Guillermo Lasso é alvo de protestos, que irão voltar no dia 17, após subida do preços dos combustíveis. Em 2019, o presidente Lenín Moreno recuou depois de manifestações que resultaram em oito mortos, declaração do estado de emergência e fuga do governo da capital, Quito.

Irão
Novembro de 2019

O fim abrupto do subsídio de combustível, que levou ao aumento do preço de pelo menos 50% e até 200% (consoante o consumo) levou a manifestações em todo o país contra o governo e inclusive contra o guia supremo Khamenei. A repressão foi brutal: oficialmente morreram 225 pessoas, segundo a Reuters cerca de 1500.

França
Novembro de 2018

Ao aumento dos impostos sobre os combustíveis para desincentivar o uso do transporte privado e diminuir a emissão de gases com efeito estufa os franceses responderam com o movimento dos coletes amarelos. A sua radicalização e respetiva repressão resultou em 11 mortos e 30 manifestantes cegaram de um olho. Emmanuel Macron recuou e acabou com a taxa de carbono.

México
Janeiro de 2017

Liberalização dos preços decretada pelo governo de Enrique Peña Nieto trouxe aumentos de 20% e com isso uma onda de protestos que ficou conhecida como gasolinazo. Morreram cinco pessoas.

Nigéria
Janeiro de 2012

Ano novo, fim de subsídio aos combustíveis, decidiu o governo do presidente Goodluck Jonathan para poupar 7 mil milhões de dólares por ano. Principal exportadora de petróleo de África, mas que tem de importar gasolina por falta de refinarias em condições, a Nigéria foi palco de um movimento de revolta chamado Occupy Nigeria e que teve como epílogo a cedência do presidente. Dez anos depois, estão previstas novas manifestações para breve, uma vez que o governo quer substituir os subsídios aos combustíveis por um outro, de transporte, às famílias mais pobres.

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