O encanto insubstituível dos cafés portugueses e dos bares espanhóis
Se a um português perguntarem do que sente mais falta quando está fora do país, dirá que é do café, quase de certeza. Lembrar-se-á num instante de uma boa bica bem tirada e de um bolinho de fabrico próprio feito na hora, das muitas variedades existentes, cada qual mais apetitosa e deliciosa, que inundam todos os dias com ótimo aspeto as montras dos cafés de norte a sul de Portugal, para desbaratar as dietas mais saudáveis dos gulosos clientes e adoçar-lhes a vida com o seu delicioso sabor. Entrar num café português bem cedo, de manhã, é entrar num instante no coração de um país que acorda e se deita afável, que gosta de comer bem, de se relacionar e de começar o dia com o melhor café, é claro, com um bolinho ou com uma torrada de pão de Mafra, alentejano ou de mistura bem barrado de manteiga ao mais puro estilo luso.
É nas primeiras horas da manhã que as pessoas de diferentes profissões, idades e até de origem social, desde o executivo à empregada, coincidem no café, quase sempre apressadas para tomar o pequeno-almoço em pé ao balcão sem fazer barulho, enquanto conversam calmamente com os funcionários do café, os quais já as conhecem pelo nome e já sabem de cor o que o vão comer e beber. Tomar o pequeno-almoço diariamente fora de casa é um costume muito lusitano que espanta, pela positiva, os espanhóis e o resto dos estrangeiros que visitam Portugal, habituados a fazer a primeira refeição do dia nas suas casas, em muitos casos devido aos altos preços das refeições nas cafetarias e nos restaurantes dos seus países. Até nos piores meses da recente crise económica, entre 2011 e 2013, os portugueses não renunciaram à sua bica diária e a um bolinho... "porque renunciar a isso é o fim, é renunciar a tudo", explicava-me na altura o dono de um conhecido café de Campo de Ourique.
Se fizermos a mesma pergunta do outro lado da fronteira, uma grande maioria dos espanhóis vão responder algo totalmente diferente dos portugueses: quando estão fora sentem muitas saudades da tortilla española (tortilha de batata) acabadinha de fazer e do jamón ibérico (presunto de porco preto), o que demonstra as consideráveis diferenças nos nossos gostos e costumes culinários, o que não faz senão enriquecer ainda mais a relação e o convívio entre os países ibéricos. Para nós espanhóis, se há algo que nos identifica e une culturalmente em qualquer canto de Espanha, não são os cafés mas sim os bares que inundam qualquer vila, grande ou pequena, e os bairros das cidades espanholas. Sempre barulhentos, cheios de gente, com empregados de balcão e de mesa simpáticos, ainda que não tão educados e com tanta paciência como os portugueses, e com um cheiro inconfundível a fritanga (frituras). Nos bares espanhóis, logo nas primeiras horas do dia, as montras, que em Portugal estão cheias de deliciosos doces, são compostas pelas numerosas tapas (petiscos) do dia, que mudam consoante a época do ano, região e comunidade autónoma em que estejamos.
O que sem dúvida não faltará em nenhum bar da Corunha, San Sebastián, Barcelona, Logroño, Madrid, Valência, Sevilha ou Mérida, para citar alguns exemplos de cidades totalmente diferentes, por volta das 11.00, do café em Espanha, é um bom pincho de tortilla, acompanhado de uma fatia de pão fresquinho e de um bom café con leche (meia-de-leite) em copo de vidro, sobretudo no Centro e Sul de Espanha. Lembro que há uns tempos, quando expliquei a um amigo português (que ia viajar a Espanha) os nossos costumes diários à hora do café, ele ficou totalmente surpreendido e não queria acreditar: "Comem tortilha às onze da manhã e misturam-na com meia-de-leite? Como é possível", disse-me. Eu, quase sem poder conter uma gargalhada, continuei e informei-o de que isso não é o pior: muitas vezes a meia-de-leite é acompanhada de uma pulga (pequena sande) de presunto com tomate, lomo (paio de lombo), chorizo ibérico, salmão ou qualquer outra delícia salgada. Quando vim morar para Portugal, há já alguns anos, uma das coisas de que mais saudades sentia era precisamente do meu pincho de tortilla ou de uma tostada (torrada) com azeite e presunto à hora do café. Com o tempo tenho a aprendido a desfrutar e a apreciar os gostos e os costumes portugueses, ainda que reconheça ser ainda muito espanhola no hábito de comer algo salgado em vez de doce a meio do dia. Mesmo agora, quando estou em Portugal, raramente peço uma meia-de-leite ou um galão, mas sim uma bica ou um carioca de café.
Outra das coisas que aconselho sempre os meus amigos portugueses quando vão ao outro lado da fronteira, sobretudo à Galiza e a algumas cidades andaluzas como Granada ou Málaga, é a não pedirem logo uma tapa quando pedem a bebida. Devem esperar, pois com a bebida, seja quente ou fria, o estabelecimento servirá uma tapa grátis. Não se espantem se lhes disser que em Santiago de Compostela há bares que, à hora do café, com cada meia-de-leite oferecem uma fatia de bolo caseiro e tortilha, por exemplo. O mesmo acontecerá nos bares de vinhos, onde cada copo vem com uma tapa. Já aos meus familiares e amigos espanhóis, quando chegam a Portugal, aconselho-os a ver o que pedem as outras pessoas e a experimentar uma bica com um delicioso bolo. E digo-lhes para falarem com os funcionários e clientes do local, pois é seguro que lhes serão transmitidos muitos dados interessantes para apreciarem o que de melhor tem este país: a sua gente e os seus costumes.