O efeito Danuza
Além dos eleitores que apoiam, sem vergonha, um candidato que passou a vida em flirt permanente com a ditadura, a tortura e a degradação das minorias, boa parte dos brasileiros que escolhem votar em Jair Bolsonaro, do PSL, fazem-no apenas para evitar o regresso do PT ao poder.
Por culpa da corrupção que os governos de Lula da Silva praticaram; por culpa das relações podres no Congresso Nacional que permitiu; por culpa do aumento do peso do Estado que encorajou; por culpa da crise económica que decorreu do primeiro mandato de Dilma Rousseff; ou por culpa do apoio do PT a uma agenda mais liberal nos costumes.
Culpas ou desculpas.
Senão vejamos: se é a corrupção que move esses eleitores anti-PT, porque foram para as ruas de camisas amarelas defender uma solução que levaria Michel Temer ao Planalto? Temer e a sua gangue do MDB, Eliseu Padilha (chamam-lhe Eliseu Quadrilha), Moreira Franco, Romero Jucá ou Geddel Vieira Lima, são os representantes do que de mais sórdido o Brasil político produziu.
E o PSL, de Bolsonaro, foi o partido mais fiel nas votações parlamentares à agenda do governo Temer ao longo de 2018, mais ainda do que o próprio MDB.
Senão vejamos: se é a degradação do Parlamento que os move contra o PT, como se permitem votar agora no candidato preferido dos lóbis mais poderosos do Congresso Nacional, o do Boi, criado para desmatar a Amazónia, o da Bala, interessado no estímulo à indústria das armas de fogo, o da Bíblia, cujos membros acreditam que a homossexualidade é doença e tem cura? Mais nociva do que essas bancadas, só a dos Parentes, com castas a eternizar-se no poder público.
E Bolsonaro já levou dois dos seus filhos para o Congresso e tem mais um na Câmara do Rio de Janeiro.
Senão vejamos: se é o peso do Estado que os move contra o PT, como podem apoiar um candidato cuja atividade económica se limita a receber uma pensão do Estado, via Exército, e um salário do Estado, via trabalho como parlamentar (nem tanto trabalho assim porque aprovou um projeto em 27 anos)?
E alguém que, a propósito, defende o modelo económico mais estatizante da história brasileira, o da ditadura militar.
Senão vejamos: se é a crise económica que os move contra o PT, porque omitem os dados, compilados pela insuspeita BBC Brasil, dando conta de que a economia brasileira, apesar da era Dilma, passou de 13.ª do mundo em 2002 a 9.ª em 2016, que o crescimento médio nesse período foi de 2,9% contra 2,5% no consulado de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de centro-direita, e que de 2006 a 2016 a taxa de desemprego andou sempre abaixo dos dois dígitos.
E tudo com relevantes avanços, registados pela ONU, na erradicação da fome e na subida nos índices de desenvolvimento humano e de combate à desigualdade, as maiores chagas do país.
Senão vejamos: se é o avanço nas pautas progressistas nos anos PT e o risco ao conceito de família tradicional que os move, como votam em alguém cujo apoiante mais estridente é o ator pornográfico Alexandre Frota, eleito deputado federal pelo PSL?
E apresentado pelo próprio Bolsonaro como eventual ministro da Cultura, se houver esse ministério, no seu governo.
O que mais move o voto antipetista não são, portanto, apenas os argumentos usados em público. É também um preconceito de classe, consciente ou inconsciente, de um país que nasceu, cresceu e quer morrer dividido entre ricos e pobres num cordial apartheid, a que podemos chamar de efeito Danuza.
Danuza Leão, ex-modelo, jornalista e socialite brasileira, definiu muito do que move o antipetista em 2011, numa coluna no jornal Folha de S. Paulo. Disse ela que "ir a Nova Iorque ver os musicais da Broadway já teve a sua graça, mas, por 50 reais mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça? Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris, entrar nas perfumarias que dão 40% de desconto, com vendedoras falando português e onde você só encontra brasileiros - não é melhor ficar por aqui mesmo?".
Não é tanto o muito que o PT fez de errado que move a maioria dos antipetistas. Move-os mais, afinal, o que o PT fez de certo.