Aos 31 anos, Joana Fitas soma no currículo quatro mudanças de emprego. Sempre por iniciativa própria. Sempre à procura de novos desafios. "As primeiras coisas que analiso são o projeto que posso vir a abraçar, a empresa em si, as funções que vou desempenhar, as oportunidades de progressão e, claro, o salário", diz a jovem, mestre em Línguas e Relações Empresariais pela Universidade de Aveiro. Não esconde que o dinheiro é importante, mas não é tudo. "Considero, por exemplo, que o ambiente da empresa e o equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal são aspetos igualmente importantes.".Começou a carreira no departamento de exportação de uma empresa de materiais de construção, onde permaneceu dois anos. Fez uma formação em Marketing Digital e esteve dois anos no departamento de marketing de uma empresa do ramo tecnológico. Seguiram-se quatro anos numa empresa do mesmo setor, mas chegou novamente a altura de mudar. Em janeiro, assumiu funções como gestora de projeto digital na Prio Energy. "É muito difícil hoje pensar em empregos para a vida, sobretudo na nossa geração. Quero acreditar que há bons projetos, boas empresas que promovem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, o que influencia a produtividade dos colaboradores", afirma..Joana faz parte da geração millennial, ou seja, dos jovens que nasceram entre a década de 1980 e meados da década de 1990. Para eles, deixou de ser uma prioridade o que para as gerações anteriores era o mais importante - um emprego para a vida. Têm necessidade de mudar, de ser permanentemente desafiados. De acordo com um estudo da Deloitte, que envolveu mais de dez mil millennials de 36 países, os níveis de lealdade destes jovens às empresas recuaram em 2018 para os níveis registados dois anos antes..Segundo a investigação, 43% dos millennials tencionam deixar o seu local de trabalho dentro de dois anos (contra 38% em 2017) e apenas 28% esperavam ficar mais de cinco anos (31% em 2017). A remuneração e a cultura empresarial são fatores que os atraem nas organizações, conclui o estudo, mas "estas devem focar-se na diversidade, na inclusão e na flexibilidade, que podem ser a chave para a sua retenção"..O que os motiva.Importa esclarecer de que jovens falamos. Mário Ceitil, presidente da Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas (APG), diz que grande parte das pesquisas focam-se num segmento: "Jovens altamente qualificados, com mindset digital, com grande literacia tecnológica, capacidade de lidar com problemas, com proatividade, enorme curiosidade, grande vontade de aprender e empreendedorismo." São estes que, na opinião do professor universitário, encarnam "uma verdadeira revolução ao nível da conceção do trabalho", que fez cair por terra a lógica da sobrevivência herdada da II Revolução Industrial..A autonomia é uma das principais motivações desta geração: "Um millennial não aceita autoridade que imponha regras, quer ter a capacidade de ser criativo, de dispor de si próprio." Tal como a mestria: querem aprender e evoluir. "Têm vontade de ser sempre melhores numa determinada área. Há um gozo emocional da excelência, de fazer melhor as coisas", sublinha o presidente da APG..Para estes jovens, a integração da vida pessoal e profissional, o bem-estar e a flexibilidade de horários são também bastante valorizados. Não abdicam da vida social e familiar. "É importante permitir que a pessoa faça uma gestão mais flexível e personalizada dos seus próprios recursos. Se trabalhar melhor a determinadas horas do dia ou em casa, pode fazê-lo. O horário pode ser contraprodutivo", indica Mário Ceitil..Além de já não estarem disponíveis para ficar no escritório pela noite dentro,os millennials procuram bom ambiente dentro das organizações. "Isto é positivo, porque impulsiona as condições de trabalho para ambientes mais amigáveis, onde não há uma concorrência sem limites, uma luta titânica de todos contra todos, mas o reconhecimento de que o bom ambiente de trabalho, a coesão das equipas, com bons níveis de satisfação, obtêm-se não apenas com salários mais elevados ou perspetivas de subida, mas com o reconhecimento por parte dos outros", diz o sociólogo Elísio Estanque..São também aqueles que preferem ganhar menos em troca de sustentabilidade. No âmbito de um estudo recente, citado pela Fast Company, três quartos dos millennials entrevistados disseram estar dispostos a aceitar um salário mais baixo para trabalhar em empresas ambientalmente sustentáveis. E 40% admitiram já ter optado por trabalhar em organizações mais amigas do ambiente em detrimento de outras, uma percentagem que nos baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964) ficou pelos 17%. Em 2016, um outro estudo revelou que 64% dos jovens desta geração não aceitariam um emprego numa organização que não fosse socialmente responsável. Para estes novos funcionários das empresas, o sítio onde trabalham deve estar alinhado com os valores que defendem e com os seus estilos de vida.."Os resultados de alguns estudos evidenciam uma juventude mais qualificada, mais informada, mais atenta a aspetos relacionados com a ameaça de esgotamento de recursos naturais, preocupada com o ambiente, com uma sensibilidade diferente da geração yuppie, que pensava apenas no trabalho, no dinheiro e na carreira", explica Elísio Estanque, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Quando as necessidades básicas já estão satisfeitas, esclarece, os indivíduos motivam-se por outro tipo de valores ou objetivos, de natureza ambiental ou social..Para se sentirem bem, precisam também de se sentir incluídos. "É valorizado o sentido de pertença a um grupo, a um coletivo, a um contexto amigável, de reconhecimento. Porque o individualismo exacerbado que temos passado em alguns momentos da história contemporânea já não é tão aceitável", frisa o sociólogo..Uma geração de empreendedores.Na procura de autonomia no mundo laboral, muitos optam pela criação do próprio negócio. Foi o que fez Marta Candeias, de 29 anos, licenciada em Gestão e mestre em Estratégia e Empreendedorismo. Depois de ter passado pelo ramo das auditorias, da hotelaria e do turismo, esteve três anos e quatro meses a trabalhar no departamento de data & analytics da multinacional L"Oréal. "Fui sempre procurando de forma ativa trabalhos que me desafiavam mais a nível intelectual", conta ao DN. Ao mesmo tempo, amadurecia a ideia de criar o seu próprio negócio..Recentemente, Marta despediu-se para avançar com um projeto na área da alimentação saudável - uma paixão antiga. "Quando estamos em grandes empresas, temos alguma segurança a nível de trabalho, estabilidade, mas também seguros de saúde, telemóvel... São coisas que nos prendem. Mas como não tinha equilíbrio entre vida pessoal e profissional, pensei que se desse o mesmo de mim a uma coisa que era minha teria de resultar." Sente que "muitos millennials têm vontade de avançar com negócios, mas por vezes falta-lhes a ideia"..Ser empreendedor não implica, no entanto, abrir uma empresa. "Hoje, o conceito está associado a uma atitude em que a pessoa se considera sede da sua própria empregabilidade", diz Mário Ceitil. Segundo o presidente da APG, isto constitui "um desafio para empresas e lideranças", porque os millennials "não aceitam atitudes não éticas, um líder que não ascenda pelo valor do exemplo. Gostam de ter líderes mais inspiracionais, desafiantes"..Empresas têm dificuldade em reter talentos.Há muitas vantagens na integração destes jovens no mundo laboral, mas, tal como o DN noticiou recentemente, está a ser difícil para as empresas segurar estes talentos. "É um problema. No setor dos serviços há áreas em que a taxa de rotação está nos 18%", quando o "normal e saudável é um máximo de 8%", adiantou Diogo Alarcão, CEO da Mercer Portugal, subsidiária do grupo internacional de consultoria de recursos humanos. E Mário Ceitil confirma: "O maior problema que as empresas têm é a escassez ou a gestão de talentos.".Atrair e fixar os millennials é um dos grandes desafios que as empresas enfrentam atualmente. Inês Pina Pereira, diretora de people, performance & culture da KPMG, reconhece que "os millennials são uma geração que veio revolucionar o mercado de trabalho, e não é de todo cliché afirmar que as empresas precisam de se preparar para a mudança e o impacto que vão trazer às suas estruturas". Ciente das alterações que o mercado sofreu, a empresa criou uma campanha "What"s your thing?" para atrair talento. "Cada um de nós tem características e paixões únicas, que vão muito para além da vida profissional. São essas características que pretendemos identificar desde cedo nos processos de recrutamento", explica a responsável. De forma "muito transparente", a empresa dá a conhecer os seus colaboradores e promove o contacto dos profissionais com estudantes..De acordo com um estudo feito em 2018 pela KPMG junto de CEO de todo o mundo, quase 40% das organizações pretendem reposicionar o negócio para responder às necessidades dos millennials (em Portugal esse número anda perto dos 30%). "As novas gerações não querem trabalhar num local onde não acontecem coisas novas regularmente. Querem experiências, novidades e aprendizagens constantes. Isto acontece porque falamos de uma geração altamente qualificada, com muito mais mundo do que as anteriores, habituada a ter voz ativa sobre os temas que lhes interessam", afirma Inês Pereira. Estão, portanto, em constante movimento, o que tem impactos significativos nas empresas e nas economias..Mas a KPMG encara os desafios como oportunidades. "Temos a preocupação de garantir que o nosso enquadramento salarial e o pacote de benefícios que oferecemos às nossas pessoas são sem dúvida competitivos, mas estamos conscientes de que esse nunca será esse o fator determinante para as pessoas permanecerem na empresa", reconhece a responsável. Além disso, oferece "desafios estimulantes e recorrentes, bem como planos de carreira ajustáveis às ambições e ao ritmo de cada um"..Sílvia Nunes, diretora da empresa de recrutamento Michael Page, considera que "cabe às organizações pensar que o modelo de motivação e retenção desta nova geração tem outras exigências". São jovens que "precisam de ser desafiados, motivados, saber o caminho a percorrer, ver a organização a crescer". Gostam de pertencer a uma organização "socialmente ativa", que promove ações associadas ao bem-estar e ao exercício físico. Habituados à linguagem digital, esperam que as suas "expectativas do ponto de vista tecnológico" sejam satisfeitas..Os efeitos perversos.A geração millennial é muitas vezes acusada de ser narcisista, arrogante e impaciente. Habituada a processos de seleção, Sílvia Nunes avisa que "em todas as gerações há pessoas assim". "Estão mais bem informados e podem, eventualmente, passar essa imagem em algum momento. Da minha experiência, não posso dizer isso. Podem aparecer pontualmente, mas não é correto generalizar.".Mário Ceitil admite, no entanto, que a ideia de arrogância pode ser um efeito perverso da transformação a que se assiste no mundo laboral. "Neste momento, há o risco de se endeusar os millennials, a ponto de considerar que millennial é sinónimo de talento e talento é sinónimo de millennial", alerta, destacando que existem algumas instituições de ensino superior onde se cria "uma atitude de arrogância"..A insatisfação permanente também pode constituir um problema. Segundo o presidente da APG, "o facto de estarem muito sensíveis a querer entrar em novos projetos pode levar as pessoas a entrar num certo infinito de utopia, ou seja, acharem que pode acontecer tudo, que podem chegar a tudo e, ao mesmo tempo, um certo infinito do desejo". No limite, "isso pode levar a que tenham dificuldade em fixar-se, o que terá consequências ao nível das relações". Há quem esteja numa empresa, mas sempre a pensar no que está a perder. "É como a canção I can"t get no satisfaction [Não consigo ficar satisfeito] dos Rolling Stones." No entanto, frisa, "este é um fenómeno social com componentes e características muito interessantes. É uma nova geração de pessoas para quem a excelência é um objetivo natural, que dá gozo, é objetivo de vida"..Como o paradigma mudou.Nos últimos 15 anos, os modelos de trabalho alteraram-se significativamente. "A velha matriz que vigorou durante algumas décadas no mundo ocidental, e em particular na Europa, a ideia da estabilidade, carreira, segurança no emprego e emprego ao longo da vida caiu há algum tempo, à medida que a globalização se foi acentuando, com a abertura de fronteiras, maior flexibilidade, maior competitividade entre as empresas, com o impacto das novas tecnologias", conta Elísio Estanque. E com a crise socioeconómica, a situação agravou-se.."Muitos jovens que estavam a acabar os estudos, na expectativa de enveredar por uma carreira profissional como quadros qualificados, foram-se adaptando e aceitando a ideia de que o mundo do trabalho se tornou mais flexível, instável e inseguro", refere o investigador. Por outro lado, prossegue, "também foram aceitando a ideia de que quem tem mais iniciativa e competências vai conseguindo, apesar das dificuldades, encontrar alguma solução". E "como os empregos que foram aparecendo já não ofereciam as condições de estabilidade, proteção, segurança e carreira do outro modelo, esta nova situação tornou-se aceitável"..Agora, é preciso que as empresas deixem de estar "demasiado agarradas a modelos que já não conseguem ser competitivos nem agradáveis, do ponto de vista da atividade profissional". Que abandonem lógicas "muito burocratizadas, muito de não mexer no que já foi feito, fazer mais do mesmo, sempre em rotinas"..Esta ainda é, no entanto, uma fase de transição. "O mundo das pequenas e médias empresas está numa convulsão permanente. Muitas centenas ou milhares morrem, enquanto outras nascem. As que têm uma mentalidade mais retrógrada, mais conversadora, têm mais dificuldade em adaptar-se", conclui o sociólogo.