Não é todos os dias que um festival de cinema chega aos 30 anos... Sentem que começaram o festival numa outra vida? Sentem o peso do tempo?.Miguel Dias - Para mim foi absolutamente numa outra vida..Mário Micaelo - Sinto o mesmo. Os primeiros festivais foram quase filhos, nos quais havia uma sensação de muita intensidade... Lembro-me que no fim haver uma alegria imensa de termos conseguido fazer o festival. Depois, a certa altura, o festival ganhou uma maturidade e conseguimos ir montando e reformulando equipas... Conseguimos expandir a coisa e obter aquele profissionalismo que nos distancia um bocadinho graças à experiência adquirida. A intensidade agora é outra, passa por tentar aperfeiçoar, melhorar e ter critérios mais rigorosos na programação, bem como nas outras atividades e comunicação com o público e profissionais de cinema..MD - Resumindo: é mais chato, mas é assim mesmo! Faz parte do crescimento....Nuno Rodrigues - Isto de fazer 30 anos não é muito diferente de fazer 20, 25 ou 18... Mas sim, estamos agora mais focados noutros aspetos. Pegando nos autores que fazem cinema, estamos mais perto daqueles cineastas que já fizeram curtas e a primeira e a segunda obra e, agora, estão mais preocupados com a terceira e por aí fora. Enfim, não andamos a experimentar tanto como nas curtas-metragens. A nossa ideia é ir construindo um festival novo e diferente..Uma das ideias com que se fica do espírito do Curtas é ser sempre jovem. Há de facto essa preocupação numa necessidade de haver sempre reinvenção e novidade ou não é bem assim? De alguma forma, este festival atravessou a vossa juventude....MD - Essa ideia de procurar a novidade e a originalidade é muito mais da parte do público e da imprensa. Quanto a mim, não vejo essa necessidade de um festival ter essa capacidade de reinvenção e juventude - os maiores festivais do mundo são aqueles que mantêm uma estrutura mais rígida: veja-se o caso de Cannes... Admiro mais esses festivais onde aquilo que é novo são os filmes! Mas sei que não podemos escapar à reinvenção e novidade, atenção.....MM - Ainda bem que este festival já foi feito por 6, 5, 4 e agora 3. Ou seja, o que vinga aqui é que não somos só uma cabeça. Somos cabeças completamente diferentes e isso obriga a uma reinvenção constante. O Miguel está com este discurso mas a nível de estrutura do festival, onde ele este ano foi o responsável máximo da programação e organização, operou-se uma série de mudanças, algumas delas até radicais. Este ano temos muitas novidades, embora tenhamos também uma continuidade e evolução sem alterações..Quer se queira quer não, o nome Curtas Vila do Conde ficou uma referência, uma marca, mesmo para quem nunca visitou o festival. Para vocês acredito que seja significativo perceber que este é um festival que também tem uma enorme projeção lá fora....MD - Isso da imagem que temos lá fora é verdade, embora dependa muito dos países... Há certos países em que temos uma grande implantação e, talvez, uma imagem maior do que aquilo que somos de facto (risos)..NR - De facto, fomos construindo prestígio ao longos dos anos. Existe um respeito internacional. Ainda há uns dias, uma vereadora da nova Câmara Municipal de Vila do Conde, num encontro com autarcas internacionais, foi abordada por alguém da Serra Leoa que comentou que Vila do Conde era a terra do Curtas....Entretanto, o Curtas tem deixado legado importantes, não só na vossa Solar-Galeria de Arte Cinemática, mas também na implantação da Agência da Curta-Metragem, que além de um importante papel na distribuição, tem produzido cinema....MM - Os legados do festival são muitos, mas, claro, a Agência e a Solar são os mais importantes, embora seja importante perceber que ambos têm de chegar a financiamentos públicos e essa luta é renhida, feroz e difícil, sobretudo na montagem financeira. Essa ideia de solidez da nossa estrutura não são favas contadas. Em relação à produção é sobretudo uma questão de oportunidade - não pretendemos substituir ninguém no âmbito da produção cinematográfica..NR - A dada altura no 10.º Curtas tivemos umas pequenas experiências de produção e depois reforçámos no 20.º e com o programa Estaleiro. Mais tarde, refletimos entre nós e chegámos à conclusão que o lado da produção não poderia ser central para o Curtas. Para investirmos dinheiro em filmes tem de haver uma justificação. Ultimamente, queremos que sejam apenas projetos que tenham uma relação com a cidade e a região..Antes tinham uma predisposição mais temática na vossa programação. Este ano, mais uma vez, não existe uma tendência evidente. Mas poderemos falar num mote?.MD - Não me parece, apenas o mote em relação ao número 30. Não quisemos mais uma vez ir buscar filmes referenciais do passado do festival, preferimos antes levar o festival a 30 locais diferentes do concelho..MM - Nesta edição temos uma programação de um festival que aos 30 anos sabe muito bem olhar para si próprio. Temos um festival muito colorido, com um equilíbrio de contrastes. Essa é a identidade do Curtas, festival que se gosta de sentir bem na sua pele..NR - Este será um Curtas mais expandido no espaço e no tempo. E há uma ideia forte no reencontro e na partilha após os anos da pandemia..Permitam-me a provocação, mas já se deram conta que numa altura de inclusão o Curtas é dirigido por três homens heterosexuais? Pensam nessas questões da diversidade?.MM - Mas o Curtas está mais feminino do que nunca! Olhem para a nossa organização! Quando fundámos o Cineclube a associação tinha mulheres... Só que depois tiveram outros interesses. Mas no nosso núcleo já se aproximaram muitas pessoas do sexo feminino e sem sexo definido. Continuaremos a pugnar pela não diferenciação de qualquer pessoa pelo seu sexo..NR - Claro que a diversidade está cada vez mais presente. Nós olhamos para os programas sempre pelo interesse e pela qualidade mas nos focos cada vez surgem mais realizadoras. Nos últimos anos, tem sido natural..MD - As mulheres têm tido um papel mais predominante na indústria cinematográfica! Fazem a contagem de quantos filmes são realizados por mulheres?.MD - Nas competições nunca fazemos, não gostamos de entrar por quotas..MM - Não é bem verdade, em igualdade de circunstâncias, por vezes, temos dado preferência a mulheres, embora não haja uma adenda burocrática nessas decisões..dnot@dn.pt