O curso superior é a chave para a felicidade mas a pressão é maior

Inquérito à população dos 15 aos 34 anos mostra que escolaridade influencia não só no trabalho e no salário, como nas relações pessoais, valores e satisfação pessoal. Investigadora preocupada com a importância dada ao aspeto físico.
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Um nível de escolaridade mais elevado garante aos jovens melhores condições de vida. E não apenas no que diz respeito ao trabalho e aos rendimentos, mas também nas relações pessoais e no grau de satisfação diária. Estas são algumas das conclusões do megaestudo "Os jovens em Portugal, hoje. Quem são, o que pensam, o que sentem?", da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), que hoje será divulgado. Querem estes resultados dizer que um curso superior é garantia de felicidade?

Laura Sagnier, que com Alex Morell coordenou o inquérito, responde que sim, mas prefere fazer a equação ao contrário. "Mais do que garantir a felicidade, diria que diminui a infelicidade. Um curso superior dá as ferramentas para se tomarem melhores decisões na vida, mas a vida continua a ter riscos. Diminui muito a proporção dos jovens que se sentem infelizes."

Por outro lado, quem tem habilitação elevada sente-se mais pressionado para ter sucesso. "Tem que ver com a evolução da própria vida, aumentam as expectativas das pessoas à medida que vão estudando e desempenhando determinados papéis, nomeadamente as mulheres. Todos os que passam pela universidade têm a expectativa de atingir o máximo", explica a economista.

Em seis das sete situações em que a pressão que os jovens sentem foi avaliada, os valores máximos ocorrem entre os jovens (tanto mulheres como homens) que completaram o ensino superior. Se tivermos apenas em conta quem tem estudos superiores, a maior pressão está do lado do sexo feminino. Sentem-se pressionadas "a terem sucesso no trabalho ou nos estudos, não desiludirem os pais/a família, serem fisicamente atrativas, mostrarem-se sempre bem-dispostas, terem êxito nas relações amorosas e virem a ter filhos".

O estudo, que será divulgado neste sábado, traça as expectativas e o perfil da população portuguesa entre os 15 e os 34 anos e que representa 21,5% dos residentes no país (2,2 milhões de jovens). Foram inquiridas 4904 pessoas, tendo em conta sexo, idade, nível de escolaridade e residência.

Os investigadores concluíram que o "mais determinante na vida dos jovens é, por um lado, a idade (a fase do ciclo de vida em que se encontram) e, por outro, o "nível de empoderamento". Mostra que "o nível de escolaridade é necessário mas não suficiente e também que os homens se sentem bastante mais empoderados do que as mulheres".

Metade dos jovens têm um trabalho pago e, destes, 86% trabalham por conta de outrem. Um terço tem algum tipo de rendimento, por exemplo, uma mesada.

As conclusões neste capítulo eram esperadas, diz Laura Sagnier, nomeadamente as dificuldades para entrar no mercado de trabalho. "Entre os jovens que têm um trabalho pago, 36% têm um contrato a termo (certo ou incerto), 25% recebem abaixo de 600 euros/mês e os que ganham acima de 950 euros são apenas 26%", sublinha pela negativa.

Entre os que finalizaram os estudos com um trabalho pago, 54% completaram até ao básico, 65% até ao ensino secundário ou pós-secundário e 80% completaram o ensino superior. Também os rendimentos são diferentes: entre os que têm menos formação não há praticamente ninguém que ganhe mais de 767 euros líquidos mensais. Em contrapartida, dois terços dos que têm mais formação auferem mais do que esse valor.

Os vínculos contratuais são mais estáveis para quem estuda e têm um maior grau de satisfação no desempenho profissional.

A novidade do estudo no que diz respeito ao nível de escolaridade tem que ver com a influência das habilitações nas relações do casal, também nos valores e felicidade partilhados pelos jovens.
O nível de escolaridade contribui para aumentar o número dos jovens que se sentem felizes ou muito felizes com a vida. "Entre os jovens com um nível de escolaridade inferior, 36% sentem-se pouco felizes com a vida, percentagem que baixa para 28% no grupo dos que finalizaram o ensino superior", refere o estudo.

Por outro lado, "as situações de fragilidade são em maior proporção entre os que terminaram até ao ensino básico. E, entre os que concluíram até ao ensino superior, as relações heterossexuais são muito mais equilibradas entre mulher e homem", sublinha Laura Sagnier, que tem estudado as desigualdades de género, nomeadamente para a FFMS.

Os que se sentem "satisfeitos ou muito satisfeitos com a relação com o/a companheiro/a é maior entre aqueles que completaram o ensino superior". É neste grupo que que se encontram os valores máximos dos que se sentem realizados com a sua relação de casal. E, "quanto maior é o nível de escolaridade, maior é a proporção dos que antes de irem viver juntos falaram sobre como iam partilhar as despesas comuns e da casa, as tarefas domésticas, da educação e do cuidado dos filhos".

A proporção dos que alguma vez foram infiéis diminui de 13% entre os que completaram até ao ensino básico para 9% entre os que completaram o superior.

No capítulo da felicidade, os mais instruídos sentem-se, em média, mais felizes do que quem tem menos instrução com o "trabalho pago", os "estudos", a "mãe", o "pai", o "aspeto físico" e os "irmãos". O máximo diferencial positivo ocorre no que respeita à satisfação com o "trabalho pago", sublinha o estudo.

Entre os mais graduados, aumenta também a proporção dos jovens que têm confiança em si mesmos (tanto "confiantes tradicionais" como "confiantes solitários") e é menor a proporção do tipo dos "inseguros modernos".

Laura Sagnier considera que as respostas das jovens mulheres denotam que são mais penalizadas do que os homens em quase todos os aspetos da vida, sendo este um dos seus destaques. Cita alguns dados: "As mulheres experimentaram mais situações de violência psicológica ou assédio moral nos locais onde estudaram, ou no trabalho, ou nas relações de intimidade. Violência psicológica em qualquer um dos dois contextos possíveis é experienciada por 43% das mulheres jovens face a 29% dos homens jovens. Se falamos da violência física ou sexual, é referida por 30% das mulheres face a 8% dos homens. Os jovens que declaram que se sentiram discriminados pela aparência física são 42% mulheres e 33% homens. Os que se sentiram discriminadas pelo sexo são 34% das mulheres e 6% dos homens." E a lista poderia continuar, salienta.

Também há mais mulheres do que homens a sentirem-se discriminadas tanto "pela idade" (17% nelas face a 11% neles) como "pela orientação sexual" (8% face a 5%).

Tal pressão acaba por colocar as mulheres numa posição mais vulnerável do que os homens. Por exemplo, há quase o dobro das jovens que têm um sono agitado ou pesadelos ou que acordam a meio da noite ou muito cedo de manhã: 33% face a 19% deles. E 36% das mulheres face a 24% dos homens já tomaram "medicamentos para distúrbios do sono". Sendo que 34% das mulheres face a 19% dos homens tomaram "medicamentos para a ansiedade ou a depressão".

Entre as várias facetas da vida dos jovens que responderam ao inquérito, aquela com que os jovens, mulheres ou homens, se sentem menos satisfeitos é o aspeto físico. É, aliás, o fator que ocupa a última posição nos rankings de satisfação, uma conclusão preocupante para Laura Sagnier. "Existe uma pressão para serem fisicamente atrativos. É a questão que tem mais relevância na felicidade com a vida e não estão satisfeitos com a aparência."

Os que se sentem satisfeitos ou muito satisfeitos com o aspeto físico são a minoria (27%), o mais habitual é que se sintam pouco satisfeitos (52%). Em média, a satisfação dos jovens com o aspeto físico é de 6,2, um valor 1,8 pontos abaixo do seu limiar de satisfação. Há diferenças se o visado tiver um curso superior. "A proporção dos que se sentiram discriminados pela aparência física diminui de 40% entre os que têm menos estudos para 33% entre os que têm mais."

ceuneves@dn.pt

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