"Torne a mentira grande, simplifique-a, continue a afirmá-la e todos acabarão por acreditar nela".Adolf Hitler.Mentir, enganar, iludir, trapacear, fingir, ludibriar, falsear, engodar e aldrabar, têm estado sempre presentes ao longo da história da humanidade. Entre os pioneiros da mentira temos, a título de exemplo, (i) na mitologia grega, Hermes, astuto mensageiro dos deuses, deus da comunicação e da mentira que é condenado a página tantas, por Zeus, a dizer sempre a verdade, (iii) no épico hindu, Ramayana, a queda de Ravana, ardiloso rei dos demónios, que é causada pela sua velhacaria e falsas promessas (iii) e na Bíblia, Eva enganada pela serpente que mente a Deus e é expulsa do Paraíso..Em que consiste a mentira? De acordo com Carl Gustav Jung a mentira corresponde a qualquer asserção que altera de vários modos e para diversos fins aquilo que é verdadeiro e real, sendo intencional quando se transmite algo que se sabe não ser verdadeiro. Jung distingue a mentira consciente da mentira patológica: "os mentirosos mais seguros são os embusteiros patológicos e suas mentiras são convincentes porque eles próprios acreditam nelas, pois já não conseguem distinguir entre verdade e ficção"..Em termos morais, notam múltiplos filósofos, que a mentira não é admissível porque, entre outras coisas, mina a confiança entre os seres humanos (Aristóteles in Ética a Nicômaco e David Hume in Tratado da Natureza Humana) e viola o princípio da autonomia (René Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira). É indubitável que as repercussões da mentira podem ser bem nefastas. Basta lembrar, a título de exemplo, o escândalo da Enron (2001), a guerra do Iraque (2003) e, mais recentemente, a assustadora campanha de desinformação alicerçada em mentiras relativas à covid-19, repetidas incessantemente. Mentiras que desvalorizaram a pandemia e, em particular, o valor da vacinação minando a confiança em instituições idóneas, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) e contribuindo, lamentavelmente, para o aumento do impacto do vírus, designadamente no respeitante ao número de mortes evitáveis. Estima a Brown School of Public Health, em colaboração com a Harvard T.H. Chan School of Public Health, que nos Estados Unidos da América uma adesão mais elevada à vacinação poderia ter salvo, pelo menos, metade das mortes por covid-19 ocorridas entre Janeiro de 2021 e Abril de 2022. É assustador constatar que mais de 318.000 vidas foram aí dizimadas, ao longo desse período, na sequência de hesitação vacinal causada, em larga medida, pela propagação leviana da mentira..Porque mente então o ser humano? Alguns motivos possíveis abarcam (i) a obtenção de uma vantagem, frequentemente social ou económica, ou de afirmação pessoal com outros fins, (ii) o afastamento de certa punição, (iii) o medo da rejeição, (iv) dificuldade em expressar a verdade e (v) falta de empatia para com o outro. Na pandemia assistimos com regularidade à tentativa de obtenção de vantagens de foro económico (através, por exemplo, do aumento do tráfego cibernético ou de visualizações nas redes sociais e da promoção e venda de vitaminas, suplementos dietéticos ou substâncias alternativas) ou de protagonismo pessoal com fins ideológicos que culminou na politização do conhecimento..Independentemente das razões que levam à mentira, as repercussões para quem mente podem ser de foro jurídico (integrando acusação penal, se estiver em causa um ilícito, como por exemplo, a fraude ou o peculato, ou acção cível visando o ressarcimento por danos causados) e/ou reputacionais..Dizia Nietzsche, de forma sumária, que quando a mentira é fruto de egocentrismo e acarreta danos funestos para a sociedade, esta deixa de confiar em quem mente, sendo o mentiroso condenado à exclusão (Friedrich Nietzsche, Verdade e mentira no sentido extra-moral). Isto é, quem planta a mentira pode dar por si a colher solidão..Quanto às vítimas da mentira, as sequelas podem ser graves e duradouras e compreender, por exemplo, danos reputacionais, trauma emocional e/ou prejuízos financeiros. Por isso, é fundamental promover a responsabilização, o ressarcimento e a reabilitação, quando possível, tendo em consideração as necessidades das vítimas e da comunidade em geral..Impedir que se minta é tarefa complexa, existindo, no entanto, estratégias para redução da sua incidência, como por exemplo (i) criar uma cultura assente na ciência e no conhecimento, onde a honestidade e a transparência são valorizadas, assim incentivando a partilha da verdade, (ii) garantir a responsabilização em tempo útil, assim desincentivando a mentira e (iii) dar formação sobre as decorrências negativas da mentira e medidas para a sua prevenção e detecção, assim contribuindo para o reconhecimento da mentira e para a resistência no que toca à tentação de nela incorrer..Numa época em que a mentira é propagada com constância dentro e fora da Internet, de forma viral, importa mais que nunca fornecer a base para uma cultura de confiança, de honestidade e de transparência..É que "a mentira é como uma bola de neve; quanto mais rola, tanto mais aumenta" (Martinho Lutero) e pode ter consequências fatais, como infelizmente a pandemia tão bem demonstrou..Patricia Akester é fundadora de GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria e Associate de CIPIL, University of Cambridge.Filipe Froes é Pneumologista, Consultor da DGS, Ex-Coordenador do Gabinete de Crise para a COVID-19 da Ordem dos Médicos e Membro do Conselho Nacional de Saúde Pública.Os autores não escrevem de acordo com o novo acordo ortográfico.