O logotipo da sua marca é, no mundo da moda de autor, um dos mais facilmente identificáveis pelo público: o C a nascer do P tem uma eficácia gráfica que nos remete imediatamente para os anos de ouro da Pop Art. Pierre Cardin, nascido a 2 de julho de 1922, recebera, no batismo, o nome de Pietro Costante Cardini, já que nasceu ainda em Itália (em Sant'Andrea di Barbarana, Veneza), filho de camponeses. Mas ainda criança rumará a França, a acompanhar os pais e os sete irmãos mais velhos, em busca de vida mais próspera, como, aliás, aconteceria, pela mesma época, a Yves Montand e Serge Reggiani..No final da 2ª Guerra Mundial, Pietro, tornado Pierre, tinha 23 anos e Paris há muito que deixara de ser a festa de que falara Hemingway. A guerra e a ocupação alemã tinham deixado cicatrizes profundas. Com a Economia completamente desestruturada, os grandes nomes da Haute Couture das décadas anteriores eram pouco mais do que uma recordação. Se Paris queria voltar a ser a "capital da moda", havia que desenhar numa página em branco. E foi assim que surgiram Christian Dior, André Courrèges, Paco Rabanne e - voilà - Pierre Cardin, que criou a sua própria marca em 1950, quando os existencialistas já revolucionavam a cena cultural parisiense..Cardin aprendera o ofício na rigorosa "oficina" da alfaiataria, onde começou a trabalhar aos 14 anos. Dando boa conta de si, foi contratado, em 1944, pela Maison Paquin, onde assinaria o guarda-roupa e as máscaras do filme de Jean Cocteau, A Bela e o Monstro (1946). Trabalharia ainda nos últimos anos da Maison Schiaparelli e tornar-se-ia um dos principais obreiros da revolução do "New Look", protagonizada por Christian Dior, de que Cardin seria um dos assistentes. Anos mais tarde, reivindicaria a autoria de uma das peças chave do look Dior: o tailleur amplo nos ombros e estreito na cintura, conhecido por "Bar", mas, para alguns historiadores de moda, essa não passaria de uma "fanfarronada" de Cardin....À frente da sua própria griffe, teve liberdade para soltar amarras. Nos anos seguintes desenhou o guarda-roupa de uma época que já sonhava com aventuras espaciais e com uma maior liberdade de movimentos para ambos os sexos. Com André Courrèges (1923-2016) e com o espanhol (mas instalado em Paris) Paco Rabanne (nascido em 1934) criará silhuetas livres, muito gráficas, com amplo recurso a materiais que teriam horrorizado Chanel e Schiaparelli como o vinil, o metal ou as peles falsas. "Tive sempre a cabeça no futuro - diria Cardin muitos anos mais tarde - preferi sempre criar para um público jovem.".As suas fontes de inspiração eram os movimentos culturais do mítico bairro parisiense de Saint-Germain des Près, mas também as aventuras espaciais protagonizadas por soviéticos e norte-americanos. Em 1964, quando essa corrida entre rivais despertava cada vez mais entusiasmo, Cardin assinou a coleção "Cosmocorps", em que, pela primeira vez, se via na Haute Couture elementos que mais pareciam do pronto-a-vestir como "macacões", bodies, mini-saias com peitilho e casacos de fecho assimétrico quer para homem, quer para mulher. Tudo isto em cores fortes, que o brilho dos materiais empregues tornava ainda mais vibrantes. Esta visão da moda foi recordada em 2019 pelo Museu de Brooklyn, a propósito do cinquentenário da chegada do Homem à Lua. Matthew Yokobosky, curador da exposição "Future Fashion" (que ali esteve patente no verão do ano passado) salientava que a abordagem de Cardin era totalmente diferente da dos outros criadores de moda da época. Enquanto estes procuravam inspiração em paisagens exóticas, ele procurava-a na "ciência e na corrida ao espaço, em particular. Mas não só. O mundo dos computadores também influenciava muito a sua ideia de design." Em Julho de 1969, quando a Apollo XI alunou com sucesso, o criador de moda não conteve o seu entusiasmo: Foi à NASA, em visita de estudo, e conseguiu vestir o fato de astronauta. Até hoje foi o único "civil" a fazê-lo..Sempre com um pé no pronto-a-vestir de qualidade (o que não lhe foi perdoado por muitos dos seus pares), Cardin era tão exímio na arte da negociação como na da costura. Nas últimas décadas o licenciamento da sua marca em vários países (e em produtos tão diferentes como a perfumaria, fardas para companhias aéreas como a Air France ou a Olympic Airlines ou acessórios para automóveis) tornou-o multimilionário, mas, segundo alguns críticos, demasiado acomodado na sua área de origem, a Moda. Em respostas a tais acusações, Cardin costumava dizer: "A necessidade de se reinventar constantemente é um perigo para a Moda. O meu estilo é reconhecível? Ainda bem. Faz parte da assinatura."