O que parecia ser um abrangente thriller de grandes meios com atores vedetas de Hollywood e os argumentistas de Deadpool é, afinal, outra coisa. Esse "outra coisa" é algo que dá luta ao espetador, uma refrescante proposta claustrofóbica sobre uma prisão futurista com ressonâncias orwellianas. Um 1984 para os nossos dias? Ou mais um A Experiência, de Oliver Hirschbiegel (obra de 2001 que imaginava uma experiência com voluntários numa prisão)? Se calhar um pouco dos dois num conceito futurista que nos aprisiona a um décor fechado e muito centrado em sessões de testes..A Cabeça da Aranha propõe um futuro próximo onde nos EUA existem prisões com prisioneiros voluntários disponíveis para serem cobaias de novas drogas. É lá que está Jeff (Miles Teller), um jovem condenado por ter conduzido bêbado e sido o responsável pela morte da namorada e de um amigo, alguém que aceita submeter-se a diversos testes, um dos quais tenta provar que pode haver uma droga que nos impele a fazer amor com alguém cujo nosso corpo não sente atração. A trama do filme assenta sobretudo na relação de proximidade de Jeff com Steve (Chris Hemsworth), o responsável clínico da prisão e o administrador das diversas drogas implantadas nas costas de cada prisioneiro. À medida que o filme avança vamos percebendo que estamos na presença de um cientista a ficar insano com a sua própria criação. A ambição louca de Steve faz com que a saúde mental destes prisioneiros fique em cheque..Entre o thriller psicológico e o conceito sci-fi, Joseph Kosinski (sim, o mesmo realizador de Top Gun: Maverick) sabe usar com coerência as ideias distópicas do material base, um conto literário de George Saunders para a New Yorker, dispensando ganchos de ação ou material pirotécnico. Está tudo em diálogos tensos em salas fechadas com design coercitivo e onde o tema da expansão sensorial da droga pode ser uma peça de análise. A tal não chega com uma cinesia de cinema singular mas anda lá perto...A "experiência" de efeito sob influência fica a meio caminho - Ken Russell não foi para aqui chamado....Na essência, há um valor desconcertante nestas imagens de uma sociedade de trocas entre os corpos e a autoridade, como se fosse um espetáculo de moral subversivo. O Estado como opressor, os seres humanos condenados como vítimas em nome de uma evolução sem ética. Tudo isto, claro, sempre dentro de uma certa fórmula de "filme de prisão" de Hollywood - deduz-se que fosse essa a concessão da Netflix, mas ainda assim um projeto arriscado nos atuais padrões. Seguramente por isso, tudo depende do trabalho dos atores e aí a grande surpresa é Chris Hemsworth, que muitos conhecem de uma certa canastrice de outros blockbusters. Aqui é suficientemente misterioso e sedutor para ficarmos de perto desta personagem "larger than life". Depois, ao seu lado, um majestoso Miles Teller, rosto que convoca um desencanto profundo do formulário do "bom rapaz americano". Teller, que mesmo em Top Gun: Maverick mostrava que se aguenta sempre bem mesmo quando tem diálogos pirosos, é um excelente contraponto a Hemsworth. Enfim, dois atores no topo da forma..dnot@dn.pt