O conceito de fronteira na formação dos Estados Unidos
Para quem cresceu a ver clássicos de Hollywood, o conceito de fronteira, aplicado aos Estados Unidos, evoca invariavelmente os filmes de John Ford ou Henry Hathaway, em que caravanas de colonos brancos partiam à conquista de territórios ocupados por apaches ou cherokees. À parte as aventuras rocambolescas, ou românticas, exigidas pelo público cinéfilo, esta visão expansionista da construção dos Estados Unidos, popularizada pelo cinema e pela literatura, é profundamente marcada pelo livro de Frederick Jackson Turner (1861-1932) O significado da fronteira na história americana, à venda a partir deste domingo com o DN.
Apesar de publicado na última década do século XIX, o ensaio de Turner continua a ser tema de debate nas universidades norte-americanas, já que, com ele, o autor quebrou com toda uma tradição historiográfica herdada da Europa (nomeadamente de Inglaterra) que considerava a democracia americana uma simples importação de uma ideia criada e amadurecida no Velho Continente.
Para Turner, que se formara em História na Universidade John Hopkins com uma tese sobre as influências do comércio ameríndio na região do Wisconsin, o individualismo, a autossuficiência e um conceito muito particular da democracia não só nada deviam à tradição europeia, mas explicavam-se também pela pujança de uma natureza que impôs aos colonos as suas regras. Nesse confronto entre o homem, dotado de escassas ferramentas, e um ambiente que o subjugava, defendia o autor, tinham-se forjado algumas das principais características dos americanos, as que justificariam, a seus olhos, a transformação, em menos de um século, da antiga colónia britânica numa grande potência mundial: "Aquela dureza e força combinadas com acutilância e curiosidade, aquela inventiva e prática capacidade de adaptação, rápida a encontrar expedientes, aquela poderosa capacidade de agarrar as coisas, talvez com pouco sentido artístico mas capaz de atingir grandes fins, aquela energia incansável e nervosa, aquele individualismo dominante, trabalhando para o bem e para o mal, e com o entusiasmo e exuberância nascidos da liberdade - estes são os traços da fronteira."
Tão subversiva tese surgiu na época em que, após mais de um século de avanços e recuos, os Estados Unidos deram a sua fronteira como fechada, com os territórios conquistados ou adquiridos a estenderem-se de uma costa à outra, com o caminho de ferro a tornar mais rápida e segura essa travessia de um país, que era, na verdade, um continente. Nesse período, defendia Turner, o constante desbravamento de novas terras, a luta contra os povos indígenas e a organização social primitiva baseada na família teriam formado um povo rude e trabalhador, mas também curioso e criativo, ainda que frequentemente antissocial, contrário a toda a forma de controle externo direto, fosse ele político, económico ou cultural.
Esta tese encontrou bom acolhimento junto dos seus contemporâneos, nomeadamente junto de empresários ou de políticos como os futuros Presidentes Theodor Roosevelt (1901-1909) ou Woodrow Wilson (1913-1921). Nas páginas dos escritos de Turner, os norte-americanos marchava triunfalmente rumo à conquista de todo o continente, justificada pelo seu amor à democracia e pela sua devoção ao progresso material e mental dos homens. Era uma espécie de versão académica da mítica frase atribuída a Horace Greeley: "Washington não é lugar em que se viva. As rendas são altas, a comida é má, o pó é excessivo e os costumes deploráveis. Vai para o Oeste, jovem, vai para o Oeste e cresce com o país."
Esta edição portuguesa de O significado da fronteira na história americana tem introdução de Jorge C. Pereira, professor convidado do Departamento de Estudos Ingleses e Norte-Americanos da Universidade do Minho e investigador do Centro de Estudos Humanísticos da mesma universidade.
Doutorado em 2016 com uma tese sobre a hegemonia internacional dos Estados Unidos durante a segunda metade do século XX e o seu impacto nos ideais americanos, Pereira é autor do livro América - As Ideias que Construíram Um País (edições Sílabo, 2013) e de artigos sobre o mesmo tema, como "A Persistência do Idealismo Americano". in Diacrítica, n.º 25/2, Série Filosofia e Cultura, ou "Didn´t Happen Here: Why Socialism Failed in the United States", in Diacrítica, n.º 26/2, Série Filosofia e Cultura.