O complexo Médio Oriente

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A região do Médio Oriente foi durante muito tempo extremamente complicada politicamente e difícil de compreender, especialmente depois da Primeira Guerra Mundial. Os novos Estados foram fundados, com as fronteiras traçadas a régua e as novas nações emergiram com as diversas variantes do Islão, muitas vezes em oposição umas às outras.

Hoje, a situação não é muito diferente, principalmente na tentativa de explicar a realidade e a política dos atores locais, os seus interesses multifacetados e as formas de os realizar. Após a formação do Estado de Israel em 1948, ficou ainda mais difícil de entender, quando alguns dos líderes locais se recusaram a aceitar a realidade e tomaram decisões em detrimento dos outros.

Agora, nos últimos anos, há uma tentativa, liderada pelos EUA, de encontrar uma forma de aproximar Israel de alguns Estados árabes do Golfo, esperando que isso traga, antes mesmo da resolução do problema palestino, mais alguma estabilidade para a região. Isso é ainda mais importante, se as novas alianças servirem como um muro de segurança contra a exportação da política religiosa iraniana, dirigida à população muçulmana xiita em vários países. Os Acordos de Abraham entre Israel e Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos, foram projetados para conseguir exatamente isso, minimizando a influência iraniana e aumentando a pressão contra Teerão para pensar duas vezes no desenvolvimento do seu projeto nuclear. Não foi pela força dos países da região, mas porque o criador da nova política, que está em Washington, ter oferecido aos Estados do Golfo, em troca de suas assinaturas, o aumento do apoio militar, o mais importante em todo o Médio Oriente.

O novo e ex-primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que voltou ao poder há alguns meses, espera poder concluir um acordo semelhante também com o Estado mais importante do Golfo, a Arábia Saudita, que começou a mostrar alguns sinais de vontade de facilitar as suas relações com o Estado judaico. Era um resultado óbvio da nova política do príncipe herdeiro em Riade, Mohammed bin Salman (MBS). Netanyahu provavelmente estava certo ao esperar que, com a ajuda dos EUA, conseguisse assinar algo parecido com um acordo de normalização com a Arábia Saudita num futuro próximo, o que lhe daria um importante impulso no cenário político local.

Então o que aconteceu? Há alguns dias, os meios de comunicação norte-americanos publicaram informações de que os sauditas estão realmente a negociar a normalização das relações com Israel, não com o governo de Jerusalém, mas com o governo de Washington. Isso não é novidade, aconteceu muitas vezes antes, mas agora eles supostamente pediram alguns favores não a Israel, mas aos EUA, que definitivamente não podem ser cumpridos. Primeiro, eles querem garantias rígidas de segurança dos EUA de que receberão equipamentos militares sofisticados, como qualquer membro da NATO, tendo as quarentenas de segurança total dos EUA como um parceiro estratégico.

Em segundo lugar, eles querem o apoio dos EUA para desenvolver o seu programa nuclear pacífico. Obviamente, se essas condições fossem cumpridas, eles estariam prontos para assinar um acordo de normalização com qualquer outro no mundo e não em particular com Israel, o que dificulta a realidade da ideia de normalização das relações no Médio Oriente.

Poucos dias depois, foi anunciado que a Arábia Saudita e o Irão decidiram reabrir as suas embaixadas em Teerão e Riade e normalizar as relações após sete anos (acordo intermediado pela China), o que contraria diretamente a doutrina israelita de formação de uma aliança israelo-árabe anti-iraniana. Quem ficou surpreendido? Ninguém sabe, mas provavelmente a liderança israelita. As pessoas às vezes esquecem que até os Emirados Árabes Unidos conseguiram normalizar as suas relações com o Irão há alguns meses, tentando encontrar a sua relativa independência da política dos EUA no Médio Oriente, o que nos leva ao facto de que o envolvimento dos EUA nas guerras na região não foi de todo bem sucedido (Iraque, Síria, Afeganistão). Isso pode sempre suscitar uma questão de credibilidade em tempos de crise.

O facto é que, após a retirada das forças americanas do Afeganistão e principalmente do Iraque e da Síria, há um envolvimento russo na região e, podemos ver agora, também chinês, por isso é óbvio que as monarquias do Golfo estão decididamente a tentar alargar as suas garantias de segurança a mais do que uma potência mundial.

Na situação de Israel, é de se esperar que eles continuem a trabalhar principalmente de forma secreta para desenvolver mais ligações com a Arábia Saudita e todos os outros Estados do Golfo, com base nas suas vantagens tecnológicas, necessárias aos Estados do Golfo. Algum tipo de frente anti-iraniana vai continuar a ser um sonho, que nem sequer é muito apoiado por Washington, que está a tentar fazer reviver o acordo nuclear com aquele país.

É claro que a situação atual na região é bastante complicada. É muito difícil prever o que se seguirá, tendo em vista que cada país daquela parte do mundo colocará como prioridade os seus próprios interesses, independentemente de estarem em contradição com a política declarada em relação a outros Estados e nações ou expectativas de qualquer outro interveniente no Médio Oriente.


Investigador do ISCTE-IUL e antigo embaixador da Sérvia em Portugal

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