O cessar-fogo vai ser difícil sem mais inclusão

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Os esforços cada vez mais desesperados dos EUA para conseguir dos regimes russo, iraniano e sírio um acordo de cessar-fogo estão a ser prejudicados pela recusa do Ocidente em incluir os maiores e mais eficazes grupos islâmicos extremistas, que estão a combater os jihadistas do Estado Islâmico (EI) e as forças do presidente Bashar al-Assad.

A primeira ronda de negociações fracassou no início deste mês e uma segunda tentativa de um cessar-fogo até ao final de fevereiro está por um fio. Registaram-se alguns progressos: o governo sírio, sob pressão da Rússia, e o Comité de Altas Negociações, aliança de grupos rebeldes menores que são armados pelos Estados do Golfo, concordaram na terça-feira em aderir a uma pausa nos combates a ter início neste fim de semana.

Mas, para transformar a "pausa" num cessar-fogo, todos os grupos de oposição devem ter a oportunidade de se juntar às negociações de paz quando elas retomarem. Apesar da recusa em jogar segundo regras aceitáveis - como o romper das ligações com a Al-Qaeda -, o Jabhat al-Nusra, por exemplo, continua a ser o grupo sírio mais poderoso a combater o EI no terreno. Não deve ser posto de lado, mas convidado a participar e ser testado para ver se consegue jogar segundo as regras internacionais.

A inclusão e o compromisso são necessários. Além da tragédia da guerra civil, da matança indiscriminada, da destruição de casas e meios de subsistência e da migração maciça dos povos para a Europa, aqueles que foram deixados para trás na Síria estão agora presos entre o exército de Assad e os jihadistas. Se chegar a acontecer, a pausa será o resultado mais positivo das conversações multilaterais que incluem os principais países árabes, a Turquia e a ONU. Mas o movimento não chega a um cessar-fogo, porque todas as partes envolvidas têm interposto condições duras para a sua implementação. Foram estabelecidos limites de quanto tempo a pausa duraria e até onde seriam autorizadas a ir as caravanas de alimentos enquanto o regime não concordar em parar com todos os bombardeamentos.

Os membros do Comité de Altas Negociações preferem chamar-lhe "tréguas temporárias". O principal objetivo é que a ajuda humanitária consiga alcançar as cerca de 18 ou mais cidades e regiões onde as pessoas estão a morrer à fome. A Rússia parece estar a falar a sério desta vez. O presidente Vladimir Putin aprovou a pausa e disse que Moscovo iria trabalhar com os EUA para a supervisionar. O acordo "pode vir a tornar-se um exemplo de ação conjunta responsável da comunidade internacional", disse num comunicado.

No entanto, o comité não representa os grupos rebeldes mais fortes nem é constituído por forças realmente moderadas ou democráticas em que os EUA e os seus aliados possam confiar para construir algo de sólido. A única escolha parece ser entre islamitas mais ou menos extremistas.

Para enfraquecer o EI, transformar a pausa num cessar-fogo e permitir negociações de paz mais amplas que abordem o futuro do Sr. Assad, os negociadores americanos, russos e da ONU devem permitir que todos os grupos da oposição, incluindo o Jabat al--Nusra, tenham a hipótese de ter um lugar na mesa das negociações. Até agora, o acordo desta semana exclui EI e Jabhat al-Nusra; outras organizações designadas como "terroristas" pela ONU e os EUA, como Ahrar al-Sham; e Jaish al-Islam, que os russos e o regime de Assad rotulam de grupo terrorista.

A mensagem internacional deve ser que todos os grupos combatentes, exceto o EI, podem participar nas conversações desde que aceitem algumas condições, que devem ser fixadas numa fasquia baixa para incentivar o cumprimento e que podem levar a um cessar-fogo muito mais amplo. Todos teriam de aceitar os termos de um cessar-fogo limitado, permitir a passagem das caravanas humanitárias através das áreas sob seu controlo e comprometer-se a proteger os civis, incluindo as minorias não--muçulmanas.

Com esse quadro, o ónus da decisão sobre quem participará em negociações futuras - transmitindo um sinal encorajador, o enviado especial da ONU para a Síria disse na quinta-feira que em breve definiria uma data para o recomeço das negociações de paz em Genebra, mas a pausa do fim de semana seria crucial - ficaria com os próprios grupos islâmicos, em vez de as grandes potências terem de escolher entre eles. Os grupos poderão recusar-se a participar, mas então passariam a ser verdadeiros párias, alienando a população síria que estão a tentar conquistar para a sua causa. Os países árabes - que não estão a ser de grande ajuda - também precisam de fazer muito mais. Todas as fações islamitas que lutam na Síria receberam, uma ou outra vez, dinheiro e/ou armas de um ou vários países do Golfo. Aqueles Estados devem reclamar as suas dívidas e ajudar a trazer as partes para a mesa de negociações.

Neste momento, a Síria é a incubadora do extremismo islâmico, com o potencial de dividir o Médio Oriente e colocar mais bombas na Europa. Após cinco anos de guerra e uma enorme crise humanitária e de refugiados, as opções políticas do Ocidente são limitadas, especialmente desde que a Rússia entrou na contenda. Seja qual for a forma que as negociações de cessar-fogo acabem por tomar, é vital que elas incluam a mais ampla participação possível de todos os grupos sírios. Essa é a única maneira de o processo poder ter alguma esperança de sucesso e de o infortúnio da Síria chegar ao fim.

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