Os meus pais entraram conscientemente num processo de desacasalamento antes de o desacasalamento consciente ser uma realidade e não esperaram pelo divórcio para o fazer. Ao longo dos 21 anos de casamento, eles nunca discutiram, pelo menos à frente das filhas. A nossa casa dava-nos uma sensação de segurança e de estabilidade..No entanto, em criança nunca vi romance ou afeto entre eles a não ser um roçar de lábios quando o meu pai chegava a casa vindo do trabalho. Nunca vi o meu pai aproximar-se da minha mãe pelas costas enquanto ela estava a fazer o jantar no fogão, abraçá-la e beijá-la no pescoço como os maridos faziam às vezes nos filmes. Eles eram mais como dois amigos que criavam duas filhas juntos....Eles adoravam ser pais e eram ótimos nisso. A minha mãe passava horas a ler para mim, a cantar, a participar nos meus jogos de faz-de- -conta. Depois do trabalho, o meu pai e eu víamos o Star Trek juntos..Ele trouxe para casa um esqueleto de plástico da faculdade de medicina onde era professor e ensinou-me os nomes dos ossos - tíbia, perónio. Construímos um modelo do sistema circulatório humano na banheira. Havia sangue a fingir por todo o lado..Os meus pais anunciaram o divórcio com calma durante a nossa primeira e única reunião de família. Eu tinha 14 anos e senti-me como se tivesse levado um soco na cara. Não tinha havido nenhuma das pistas que nos preparam para aquilo e que os meus amigos tinham descrito antes dos divórcios dos pais deles. Não houve gritos ou pratos partidos. Tudo estava tranquilo. Os meus pais disseram que nos amavam muito, à minha irmã e a mim, e que o divórcio não era culpa nossa. Mais tarde, quando os confrontei em separado e lhes perguntei a razão, os dois disseram-me que nunca tinham dedicado tempo suficiente à relação entre eles, que tinha sido tudo sempre em função da família. "Então a culpa é nossa", disse eu. "Não, não", asseguraram-me os dois. Eles adoravam-nos e adoravam ser pais..Uma breve reconciliação alimentou as minhas esperanças e, em seguida, transformou-se em algo ainda mais doloroso: a minha mãe a dormir no sofá na sala, tentando acalmar o choro que, de qualquer maneira, atravessava as paredes da nossa pequena casa..Após o divórcio começou a verdadeira luta. O bater com o auscultador do telefone (no tempo em que se podia bater com o auscultador do telefone), o ir lá fora para falar, as discussões sobre quem é que ficava com as crianças e em que férias. Eu fui para a universidade, deixando a minha irmã mais nova a aguentar com o dia-a-dia..Eu nunca compreendi por que razão eles se divorciaram, mas depois de estarem finalmente separados comecei a perguntar a mim mesma como é que eles se tinham sequer casado. Sozinha, a minha mãe floresceu. Ela comprou uma pequena casa num bairro não muito bom e recuperou-a..O meu pai começou a namorar..Quando perguntei à minha mãe se ela se conseguia ver a namorar, ela respondeu-me: "Neste momento estou mesmo é a gozar a minha independência." Eles continuavam a falar sobre questões relacionadas com as filhas, mas nada mais do que isso. Pareciam já não gostar um do outro..Na universidade parti uma perna (tíbia e perónio) e eles foram visitar-me separadamente. Não conseguiam estar juntos na mesma sala..Eu amava os meus pais, mas odiava voltar para casa e andar para a frente e para trás para os ver. Fazer contas para garantir que os dois tinham o mesmo tempo da minha presença. Ia à igreja com a minha mãe e depois ia almoçar com o meu pai. Duas festas de Ação de Graças em dias sucessivos. Fazia o percurso de 20 minutos de carro entre as duas casas sempre a chorar..Em adulta, nas minhas relações com homens, eu evitava o confronto. O meu lema era: "Contanto que ninguém fale sobre qualquer questão complicada, tudo vai dar certo." Namorei os meus melhores amigos e ao primeiro sinal de tensão ou discordância separávamo-nos..O meu relacionamento mais longo foi com um homem com quem namorei cinco anos, acabando e recomeçando por três ou quatro vezes ao longo da relação, basicamente sempre que discutíamos. Era aquilo que eu conhecia..Na primeira vez que o meu futuro marido, Hugh, e eu tivemos uma discussão, eu assumi que era o fim. "Vou só buscar as minhas coisas", disse eu, a chorar. "Não posso acreditar que nós estamos a acabar."."De que é que estás a falar?", disse Hugh, parecendo confuso. "Estamos apenas a ter uma discussão." Eu não percebi. Mas ele estava certo. Acalmámo-nos e conversámos sobre o assunto. Continuávamos a achar que o outro não estava com a razão toda, mas fizemos as pazes, fizemos amor, jantámos e vimos televisão. Quando nos deitámos já tínhamos uma compreensão mais profunda do ponto de vista um do outro..Eu sentia-me como se estivesse a aprender suaíli..Quando Hugh me pediu para me casar com ele, o meu primeiro pensamento foi: sim. O segundo foi: como é que os meus pais vão estar na mesma sala no casamento? Será que o meu pai vai trazer a namorada? Será que vamos ser capazes de transformar os seus olhares e momentos tensos num jogo? Seria melhor fugirmos para não termos de lidar com problemas familiares?.Nós queríamos uma festa de casamento. Amávamos as nossas famílias e queríamo-las lá. A mãe de Hugh tinha entrado recentemente em remissão de uma leucemia. Não tínhamos tido a certeza se ela estaria viva para ver este dia..Decidimos casar-nos na minúscula cabana que Hugh possuía nas montanhas de São Gabriel na Califórnia, o nosso refúgio de fim de semana onde ele me tinha presenteado com um belo anel de diamantes alguns meses antes..A cabana tinha uma divisão com uma cama embutida. Se a cama estivesse recolhida, a sala poderia acolher dez pessoas em redor de uma mesa alugada. Apenas a família chegada. Um dos melhores amigos de Hugh ficou encarregado de realizar a cerimónia. Tudo o que pedi aos meus pais foi: "Por favor sejam agradáveis um para o outro." Por respeito disse ao meu pai para se sentir à vontade para trazer a namorada, mas, felizmente, ele disse que não..Toda a gente voou para a Califórnia. O meu pai levou-nos todos a jantar na noite anterior a uma estalagem próxima. Toda a gente estava muito feliz..Na manhã do casamento, a minha mãe, o meu pai, a minha irmã e eu saímos juntos do hotel. A minha irmã levou o meu carro, porque, como ela disse, "a noiva não deve ter de conduzir". Percorri o caminho de terra entre o carro e a cabana de ténis calçados, segurando o meu vestido de casamento na mão esquerda para que ele não tocasse no chão e os sapatos de salto alto (uma coisa azul) na direita..Contudo, os meus pais ficaram ao pé do carro. Eu não os conseguia ver, mas ouvia-os a rir. Gritei: "O que se passa? Embora? Podemos ir?".Mais risadinhas. Então vi-os a subir na nossa direção, a minha mãe a rir e o meu pai a segurar-lhe no braço para lhe dar apoio..Hugh e eu casámo-nos no alpendre da cabana. A mãe de Hugh tinha feito arranjos com flores silvestres. O melhor amigo de Hugh tocou viola enquanto nós dançámos. Bebemos champanhe e comemos lasanha..Os meus pais sentaram-se um ao lado do outro ao jantar. O meu pai mantinha cheio o copo de vinho da minha mãe. Rimo-nos todos e, às vezes, chorámos - lágrimas boas - e abraçámo-nos uns aos outros..Alguma coisa estava a acontecer..Após o casamento, o meu pai separou-se da namorada e, pouco depois, ele e a minha mãe foram juntos à cidade para uma ida a um museu. Uma semana depois foram jantar a um restaurante italiano local. E depois mais uma vez. Tornou-se a tradição deles de domingo. No Dia da Mãe, ele enviou-lhe um cesto da Magnolia Bakery.."Não foi de lá que veio o teu bolo de casamento?", perguntou-me ela. Sim, tinha sido..Quando tive de fazer uma pequena cirurgia, eles vieram os dois visitar-me, tendo ficado em quartos de hotel separados. Fomos os três dar um curto passeio..Eles caminhavam um pouco atrás de mim e eu podia ouvir o meu pai a contar piadas e a minha mãe a rir. Novamente as risadinhas. Fiquei irritada porque eles pareciam estar a gostar demasiado da companhia um do outro em vez de se concentrarem em mim..Quando eu tentei identificar o momento da mudança, Hugh lembrou-me de que tinha sido no nosso casamento. "Talvez o nosso amor os tenha inspirado", disse ele. "Foi um dia especial, muito especial.".Os meus pais falam agora ao telefone várias vezes por dia. Eles dizem "nós" em vez de "eu". O meu pai compra presentes para a minha mãe sem nenhum motivo especial. Recentemente, ele enviou-lhe uma dúzia de rosas lilases, a cor favorita dela, porque ela estava nervosa à espera do canalizador que vinha reparar a torneira da cozinha.."Vocês estão a namorar?", perguntei à minha mãe após o incidente das rosas. Faço-lhe essa pergunta uma vez por mês..Ela dá sempre a mesma resposta: "É platónico. Nós gostamos muito um do outro. E gostamos da companhia um do outro. Nós somos família.".Depois de os meus pais se divorciarem, eu nunca pensei voltar a vê-los juntos na mesma sala (e muito menos a rir). Nunca pensei que passaríamos mais alguma festividade todos juntos. O meu marido e eu fomos a casa para os 70 anos da minha mãe no ano passado e para os 70 anos do meu pai neste ano. Comemorámos todos juntos, como uma família..Não sei o que o futuro nos reserva. Eu não acho que partilhar a cama fosse necessariamente melhor ou pior do que o que eles já têm. Eles partilham um profundo amor. Eles têm a relação mais afetuosa, mais carinhosa e mais divertida que se pode imaginar..Eles tornaram-se conscientemente acasalados.