O camisa 10 que faltava

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Numa equipa de governo em que o ministro da educação escreve uma média de dois erros primários de português a cada tweet e confunde um génio checo da literatura com um petisco árabe;

Em que o ministro do ambiente foi condenado por fraude ambiental;

Em que um terraplanista assumiu a pasta das relações exteriores para enfrentar o "globalismo" - ora se o planeta é plano, não é um globo e se não é um globo não se deveria combater o globalismo mas sim o "planismo";

Em que um ministro da economia elogia a alta do dólar, porque dessa forma a classe média em vez de visitar a Disneyworld, nos EUA, vai investir em visitas Cachoeiro de Itapemirim, a terra do cantor Roberto Carlos, no estado do Espírito Santo;

Em que o presidente do instituto ligado ao incentivo às artes acha que o rock conduz ao aborto;

Em que o chefe da fundação de apoio ao movimento negro odeia o movimento negro e enumera os benefícios da escravidão;

Em que um general, logo um cidadão não civil, coordena a Casa Civil;

E em que o presidente que se declara nomeado por Deus elogia torturadores e ditadores, que se diz incorruptível mas alimentou por décadas o estratagema típico dos deputados de baixo clero de desviar dinheiro de assessores falsificados, e que chama os trabalhadores brasileiros de preguiçosos mas teve 30 anos no parlamento a aprovar dois projetos;

Bom, a uma equipa destas destes não faltava mais nada.

Faltava sim: um embaixador do turismo que, depois de ter sido proibido de viajar para o estrangeiro por ter ficado sem passaporte, saiu finalmente do país mas ficou detido numa prisão no país vizinho por usar um passaporte falso.

Faltava, portanto, um "camisa 10" genial: faltava Ronaldinho Gaúcho.

Adepto de Bolsonaro desde a campanha, Ronaldinho, que completa 40 anos no próximo dia 21, o mesmo em que o presidente chega aos 65, tem um currículo policial capaz de fazer sombra ao currículo como jogador de futebol.

Já este ano, em fevereiro, se tornara réu de uma ação coletiva que pede 300 milhões de reais (mais de 60 milhões de euros) de indemnização por danos morais e materiais causados pela empresa "18kRonaldinho". A investigação acusa-o de liderar um esquema de pirâmide financeira.

Em 2018, por conta de uma condenação pela construção irregular de um pier com estrutura de pesca e atracadouro na orla do rio Guaíba, em Porto Alegre, uma área de preservação permanente de acordo com o Ministério Público do Rio Grande do Sul, teve apreendidos dois BMW, um Mercedes e uma obra de arte. E, mais grave, o passaporte.

Mesmo assim, divulgou mensagem na qualidade de embaixador do turismo de Bolsonaro nestes termos: "Espero poder ajudar, em todo lugar do mundo onde eu passe, a mostrar esse nosso país tão bonito por natureza, convidando o mundo todo a vir para cá. É motivo de muito orgulho".

Após perder recurso por unanimidade no Superior Tribunal de Justiça, só recuperou o passaporte em setembro do ano passado em troca do pagamento de uma multa de valor não divulgado.

Passado esse constrangimento, pode recomeçar a viajar. Nos últimos dias, no entanto, foi ao vizinho Paraguai, onde tinha possibilidade de entrar apenas com o "RG", equivalente brasileiro ao bilhete de identidade ou ao cartão do cidadão, à luz dos acordos do Mercosul, mas acabou por utilizar um passaporte paraguaio falsificado.

Num caso que vai abalando as estruturas do governo local - há suspeitas de uma máfia de falsificação de documentos com conivência de órgãos estatais - e incomodando as estruturas do governo do seu país - o ministro da justiça Sergio Moro já telefonou para o seu homólogo a protestar pelo sucedido, está detido numa cela ao lado do irmão e agente, com direito a colchões e cobertores,

Agora sim, não falta mais nada ao dream team governamental. Por enquanto.

Correspondente em São Paulo

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