A explosão de Donald Tusk imaginando um "lugar especial no inferno" para os defensores do Brexit sem acordo no Reino Unido mostra-nos que ele avançou para a próxima fase dos cinco estágios do luto. O presidente do Conselho Europeu está zangado porque percebeu finalmente que o Brexit vai realmente acontecer, e que o Reino Unido poderá deixar a UE sem um acordo. O senhor Tusk provavelmente ainda está confuso mas, pelo menos, agora está confuso a um nível mais elevado..O reconhecimento da realidade é um passo importante no caminho para a aceitação. Uma coisa é dizer que se está à espera que alguma coisa aconteça, mas outra bem diferente é acreditar nisso. E aqueles que agora estão em pânico tendem a ser os mesmos que eram anteriormente os mais complacentes. A comunicação social alemã, que acompanho de perto, passou os últimos dois anos e meio concentrada na campanha para realizar um segundo referendo. Cada palavra de Tony Blair ou John Major, dois ex-primeiros-ministros britânicos pró-UE, era notícia de primeira página, assim como as grandes manifestações anti-Brexit. Recentemente, o tom mudou. De repente, aparecem inúmeros comentários do género "Oh meu Deus, isso está realmente a acontecer"..Estou certo de que o Brexit vai acontecer, mas as probabilidades relativas de um Brexit com ou sem acordo são mais difíceis de avaliar. Os acontecimentos estão sempre a intrometer-se para obscurecer a visão europeia: os comentários de Tusk, a repentina desaceleração da economia da zona euro ou mesmo o comportamento cada vez mais errático de Emmanuel Macron..Na semana passada, o presidente francês chamou o seu embaixador em Roma em resposta a uma disputa política com o Movimento 5 Estrelas italiano. Na reunião do Conselho Europeu de dezembro, ele ameaçou manter o Reino Unido preso nas provisões da salvaguarda da Irlanda do Norte para sempre, a não ser que os britânicos concordem em manter as suas águas costeiras abertas aos pescadores franceses. Se alguma vez existiu uma razão racional para os deputados do Reino Unido questionarem a boa-fé da UE em concordar com o backstop do acordo de saída de Theresa May, ela foi fornecida pelo senhor Macron..Apesar destas intrusões no cenário, permaneço moderadamente otimista em relação a um acordo para o Brexit. Existe um caminho estreito, mas claro na sua direção - um caminho que requer compromisso em Bruxelas, bem como em Westminster. Do lado da UE, Angela Merkel ainda pode emergir como um agente de poder efetivo. Não cedo nas minhas críticas à gestão da chanceler alemã das crises da zona euro. Mas a sua abordagem analítica é a mentalidade necessária na cimeira no final de março. Ela tem razão em dizer que a UE precisa de explorar soluções criativas para a salvaguarda irlandesa. Estamos mais uma vez a aproximar-nos do momento decisivo - um ponto de viragem semelhante ao da cimeira de Maastricht, em 1991, ou da cimeira da crise da Grécia, em 2015. Em ambos os casos, o acordo parecia impossível. Até que aconteceu..A história diz-nos que não devemos tirar conclusões da falta de acordo neste momento. A UE não vai fazer concessões neste ponto, mas, quando todos entrarem na sala das ilusões na reunião do Conselho Europeu a 21 de março, as coisas vão mudar..Também é errado pensar nestas negociações como um concurso de quem é o primeiro a ceder. Tanto Theresa May como a UE têm um forte interesse comum em evitar um Brexit difícil, ambos estão dispostos a chegar a um compromisso. E não exageremos a assimetria nos custos de um Brexit duro. É do senso comum que um Brexit difícil afetará mais o Reino Unido do que a UE, mas isto ignora o facto de o Reino Unido ter votado pelo Brexit enquanto a UE não o fez. Haverá perdedores, como a indústria automóvel, mas também muitos outros mais pequenos. Os horticultores holandeses perderão o seu maior mercado e podem acabar a despejar os seus tomates nos consumidores alemães, eliminando os produtores locais. Podem os líderes da UE estar realmente confiantes de que os seus eleitores vão culpar os britânicos e não a eles?.Eu também acredito que o acordo sobre a salvaguarda irlandesa é possível. A UE não concordará com uma data final formal, mas pode dar melhores garantias legais. O Artigo 50.º, a base para o Brexit ao abrigo da legislação da UE, permite que as duas partes tomem providências para a transição, mas os acordos comerciais permanentes não são abrangidos por ele. Os regimes transitórios não podem ser indefinidos: se Emmanuel Macron decidir vetar um acordo comercial sobre direitos de pesca, ou se as negociações comerciais forem abandonadas, então a transição terá seguramente terminado..A declaração política sobre o futuro relacionamento também poderá mudar, permitindo possibilidades que poderiam incluir uma união aduaneira. A decisão final sobre o futuro seria então deixada para uma votação no Parlamento britânico após o Brexit..O segundo momento crucial virá após a cimeira, quando os parlamentares se reunirem para realizarem a votação final. Será na última semana antes do prazo final do Brexit, a 29 de março. Em teoria, tudo se poderá arrastar até esse dia. Já não haverá opções disponíveis para tirar da mesa, e, no entanto, acontece que haverá pessoas iradas que não viram que isto poderia acontecer..©The Financial Times Limited 2019.