O Brasil volta à cena mundial

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A viagem de Lavrov a Brasília neste início de semana, revela o regresso do Brasil como ator internacional e também que volta pelo topo.

A vinda do chefe da diplomacia russa está na sequência das viagens de Lula à Argentina, Estados Unidos, China, Emirados Árabes e véspera da deslocação à Europa. Discretamente, seu assessor Celso Amorim esteve na Rússia. O que as potências interessadas no conflito ucraniano desejam são esclarecimentos sobre a posição brasileira na matéria. Em votação recente na ONU, o Brasil votou desfavorável ao Kremlin e um vice-ministro russo das Relações Exteriores criticou o voto brasileiro. Na recente viagem à China, por sua vez, Lula criticou o fornecimento de armas à Ucrânia e, antes, tinha declarado que Kiev devia renunciar à Crimeia.

Na verdade, essas são questões centrais a resolver por negociações e não requisitos prévios. Se a Ucrânia parar de receber material, terá de se render perante um adversário que é um dos maiores fabricantes e negociantes de armas do mundo, anulando até a necessidade de negociações. Sobre a Crimeia, mesmo que possa ter havido erro geográfico na então liderança soviética, abrir mão dela pela força, significaria para a Ucrânia aceitar precedente sobre o Donbass. Portanto, todos esses estatutos têm de ir para o processo de negociações. É mesmo esse o real centro do problema.

Já no Brasil, o Presidente Lula apelou para implicação do modelo do G 20 na busca de paz. Pode ser um ambiente propício a desbloquear alguns pontos. Veremos nos próximos dias se esta sugestão reduz a anterior de constituição de um grupo mediador, mas, em ambas as hipóteses, nota-se preferência do Itamaraty e do Planalto pelas ações multilaterais. Na declaração final em Pequim nem o Brasil apoiou o plano chinês nem o governo chinês apoiou a ideia inicial do Brasil.

Na viagem à Europa, Lula vai testar de novo suas propostas e, talvez, avaliar qual a mais útil. Porém, o assunto está longe de ser preocupação brasileira única, nem mesmo principal.

A questão das moedas no seu comércio externo tem valor estratégico e, poder usar encontro de contas nas moedas nacionais com grandes parceiros, equivale a grande vantagem e estímulo institucional. Ao mesmo tempo, a busca de investimento é condição de crescimento, pois o Brasil é deficitário em capitais quando pensa num crescimento à medida de seu potencial. Fazer acordos com a China não exclui outros parceiros e ninguém pode negar que, como disse o ministro Haddad, os Estados Unidos continuam de primeira importância, mas nos últimos anos houve até caso de desinvestimento por parte de empresários norte-americanos.

O Brasil não aderiu à Iniciativa (chinesa) Cinturão e Rota, apenas lhe manifesta simpatia como a outras iniciativas internacionais de desenvolvimento. As iniciativas mais bem vistas no Brasil e outros sul-americanos são as que reforcem integração económica sub-continental, começando pelo Mercosul e, para isso, o FMI ajudaria se tivesse em conta que impor pagamento de dívidas a países, como a Argentina, em busca de se reequilibrarem, significa provocar mais desequilíbrio. Uma atitude que, aliás, atinge África também, quer dizer, num clima mundial marcado pela inflação e ameaças de recessão, as moratórias têm de ser uma ferramenta a considerar.

A ida de Lula à Europa, pode obrigar a mais explicações, oficial e definitivamente, sobre os passos que o governo brasileiro propõe para a Ucrânia, porém, a assinatura do longamente negociado acordo Mercosul-União Europeia é a principal "explicação" que a América do Sul espera da Europa em matéria de novas relações internacionais.

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