O bolo-rei segundo Gaston Lenôtre

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Se nunca comeu um bom brioche, perdoo-lhe gostar do bolo-rei que para aí se vê. Desde que Afonso Praça, a partir dos arquivos do Diário de Notícias, contou em Festas e Comeres do Povo Português, a história do nosso bolo-rei, ficou a saber-se que descende directamente do que se faz em Bordéus, que tem como base uma massa de brioche rica em manteiga e ovos. Muitos têm repetido a informação, sem o citarem? Adiante. O mais importante no bolo-rei é a massa, os frutos são acessórios. Eu sei que a batalha das designações, em cozinha, é hoje, com a cozinha de autor, uma guerra perdida.

Mas tudo tem limites e o nosso bolo-rei, salvo honrosas excepções, não merece usar nem o nome, nem a coroa que ostenta. A massa, assemelha-se de tal modo à do pão, que dir- -se-ia que voltámos ao tempo em que, segundo a história, em França, no século XV, era indistintamente feito por pasteleiros e padeiros. Os últimos, como provocação, ousavam mesmo, em cada ano, oferecer um grande exemplar ao rei. Só passados três séculos, os pasteleiros conseguiram que fosse proibido, a quem não fosse do ofício, utilizar ovos, açúcar e manteiga nos seus produtos.

Como a história do nosso é já conhecida, vou aplicar-me na receita da massa. De pesquisa em pesquisa, consegui chegar à receita do brioche bordelaise de Gaston Lenôtre, tido universalmente como o melhor pasteleiro da actualidade. Experimentei-a para os leitores, para quem fazer um bolo-rei pode ser divertido e apreciem, sobretudo, ver o prazer estampado no rosto dos familiares.

Para simplificar, usei levedura instantânea 1 colher de chá rasa que peneirei com 250 g de farinha. Batendo, juntei 2 colheres de leite, 1 colher de chá rasa de sal fino, 2 colheres de açúcar e misturei. Adicionei 2 ovos, misturei e depois juntei um terceiro ovo. Fiz isto numa máquina eléctrica. Agora a manteiga: parece muita, mas não é: 150 g, trabalhada à mão, não derretida e adicionada em bocadinhos. Estando homogénea, deitei a massa numa tigela, cobri com um pano e deixei levedar uma hora e 30 minutos. Nesta altura rompi a massa, isto é, meti-lhe a mão e puxei-a para cima. Fiz isto mais duas vezes a intervalos de duas horas. Coloquei num local fresco até ao dia seguinte. Polvilhei a mesa com farinha, e estendi a massa, à mão, formando um círculo sobre o qual espalhei 150 g de frutas cristalizadas e nozes picadas, pinhões e, evidentemente, a fava. Enrolei a massa em bola e coloquei-a num tabuleiro ligeiramente untado. Com os dedos, polegar e indicador, fiz um buraco no centro e deixei levedar mais uma hora e meia. Finalmente, pincelei com gema de ovo e levei a cozer em forno aquecido a 200º, cerca de meia hora. O meu bolo-rei, ficou mesmo digno do nome! Obrigada, senhor Lenôtre. Perdoem-me se intervim menos silenciosamente do que devia. Mas um bolo que se apresenta na mesa de todos os portugueses tem que ser bem feito.

Consultou-se L'Histoire naturelle et morale de la nourriture, de Maguelonne Toussaint-Samat.

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