No segundo dia do festival Mimo, a noite de sábado foi do brasileiro Hamilton de Holanda e do seu Baile do Almeidinha. O grupo, que surgiu há quase quatro anos para retomar os bailes que outrora aconteciam no Circo Voador, Rio de Janeiro, convidou a espanhola Silvia Pérez Cruz, o cabo verdiano Mário Lúcio, e Miguel Araújo, e o baile aconteceu. Almeidinha, esclareça-se já, não tem qualquer fundamento se não o de ser "um nome simpático, que transmite uma alegria", explica Hamilton..Amarante dançou e cantou canções como Sem Compromisso, de Chico Buarque, ou Chega de Saudade, logo seguido de um grito vindo do palco: "Viva Tom Jobim! Viva João Gilberto!" A cidade arrepiou-se com o Currucucu Paloma de Sílvia, ao lado do bandolim de Hamilton, com o seu gesto virtuoso e o som peculiar, de quem acrescentou ao instrumento duas cordas. O bandolim de Hamilton de Holanda, de dez cordas, não parou até às 3.00 da madrugada..Mário Lúcio, a quem alguns ainda tendem a chamar "ministro", hábito dos anos em que esteve à frente do ministério da Cultura de Cabo Verde, já o não é. Criolo entre criolos, como fez entender, cantou Sodade, de Césaria Évora, e todos na plateia o cantaram com ele. Antes, avisou: "Com o Mimo, há um "Amarantes" e um "Amardepois", amemo-nos então.".Anda comigo ver os aviões, que a voz de Miguel Araújo haveria de entoar, começou com acordeão, como se fosse "um chorinho", dizia antes o músico quando, reunidos os quatro, se conversou acerca de bailes e de música, e do baile como escola de músicos.."O engraçado é que em Cabo Verde a palavra 'concerto' existe há mais ou menos 25 anos. Tudo era ligado ao baile. Eu mesmo, a minha escola de musica foi um baile, graças a Deus. Tínhamos de tocar de tudo, porque as pessoas ouviam uma musica na rádio e diziam: Gosto, vou ao baile, porque eles tocam. A Rádio Nacional tinha uma coluna virada para a praça. Nos íamos lá, ouvíamos e repetíamos. Isto criou em nós um ouvido muito apurado e uma grande memória", conta Mário Lúcio, que conheceu Hamilton numa "tocatina" no Rio de Janeiro, termo de Cabo Verde que se define como o que acontece quando "um grupo de amigos vai a casa de outros, leva os instrumentos, e de repente faz o maior concerto da nossa vida.".Em Cabo Verde, aprendia-se a tocar também na "tocatina". Há "a dos 10 anos, dos 12, dos 16. Ou você acompanha, tem de ser tão bom como os outros, ou você volta aos 14", conta o músico da ilha de Santiago..No caso de Miguel Araújo, a escola foi feita noutro tipo de bailes. "Era a música de garagem, das bandas de rock. Uma pessoa ouve, aprende-se uns com os outros, são serões intermináveis, horas e horas a tocar. Com o João Salcedo, dos Azeitonas, organizámos umas coisas que não eram bailes, eram jam sessions no bar de uma amiga e cada noite era subordinada a um tema de música, e quem queria inscrevia-se para cantar ou tocar. Então davam-nos uma lista de 40 músicas que nós tínhamos uma semana para aprender. De musica brasileira a thrash metal. Nessa semana nos íamos ouvir e tentar aprender como é que se tocava.".Sílvia, a catalã que na noite de sábado para domingo cantou Madalena, de Elis Regina, ou Carinhoso, de Marisa Monte, quase não tinha como escapar, ao crescer. Filha do músico Castor Pérez, conta que em casa comunicavam "a cantar". Além disso, o flamenco que canta, e em que também cresceu, traz o que atrás fora dito. "A música popular tem isso, é muito generosa, podes participar. Assim aprende-se muito, partilhando. É como dançar", explica..A questão maior em tudo isto, diz Mário Lúcio, é esta: "Quando é o próximo baile?" E Miguel Araújo, que naquela noite haveria ainda de cantar João e Maria, de Chico Buarque, comenta: "Quando se está a tocar com outros e está a correr bem, dá ideia que eles podiam parar de tocar que a música continuava...".Com o Baile do Almeidinha - Thiago da Serrinha, na percurssão, Rafael dos Anjos no violão, Eduardo Neves no saxofone e na flauta, Xande Figueiredo na bateria, Guto Wirtti no contrabaixo, Aquiles Moraes no trompete, e Marcelo Caldi no acordeão -, os quatro reuniram-se em palco no final. E, de facto, quando cantavam Timoneiro, de Paulinho da Viola - "Não sou eu quem me navega / Quem me navega é o mar" - Miguel Araújo parecia ter razão..O festival termina hoje, com os concertos de Mário Laginha e Pedro Burmester às 20.00, Pat Metheny e Ron Carter às 21.45 e Aline Paes logo de seguida, a fechar a primeira edição do Mimo fora do Brasil, onde nasceu em 2004.