A defesa da liberdade jornalística nunca terá na primeira linha os políticos, os partidos, os juristas, os magistrados, os polícias, os empresários, os economistas, os sindicatos, os clubes de futebol, os desportistas, a Igreja, as associações cívicas, os protagonistas culturais ou qualquer outra instituição não jornalística emanada da sociedade. Porquê? Por uma razão simples: o objeto primordial da atividade dessas pessoas não é fazer jornalismo..Cada um dos múltiplos grupos em que podemos dividir a sociedade vê no jornalismo algo mais do que um meio de informação útil e imprescindível para compreender a realidade. Quem está fora do jornalismo vê nele, também, uma esperança instrumental de promover a sua própria atividade, um veículo para denunciar aquilo que limita a sua própria liberdade de ação ou uma forma de confrontar o que fragiliza a sua capacidade de influenciar a opinião pública. Quando se pronunciam a favor da liberdade de imprensa ou, pelo contrário, criticam os excessos da comunicação social, aqueles sujeitos estão, em primeiro lugar, mesmo se inconscientemente, a defender a sua própria liberdade, o seu lugar no mundo e só secundariamente, se houver confluência, o interesse e a liberdade do jornalismo..Os jornalistas terão, portanto, se quiserem ser livres, de estar sempre na primeira linha da defesa da sua profissão. Mas não são os jornalistas a definir sozinhos os limites da sua própria liberdade. Esses limites são estabelecidos com o resto da sociedade: formalmente através da lei elaborada pelo poder político, eleito pelo povo; informalmente através da relação quotidiana com os leitores individuais e com os diversos grupos e instituições em que a sociedade se organiza, que matiza e dá corpo ao quadro legal com as suas leituras, visualizações, compras de jornais, investimento publicitário, cliques em sites, opiniões, debates, críticas, envio de informações, denúncias e, até, pressões diretas sobre as redações..Essa dinâmica, complexa, é uma das partes do corpo que garante a liberdade dos jornalistas, pois a capacidade de gestão e arbitragem credível dessa relação, através de escolhas editoriais livres mas defensáveis, é um meio para que esse estatuto não seja posto em causa pelos destinatários do trabalho dos jornalistas - os leitores..Leio, há meses, em muitas crónicas de opinião, em alguns editoriais e em múltiplos textos em páginas de Facebook muitos jornalistas relevantes refutarem críticas sobre erros factuais indiscutíveis, cometidos em notícias objetivas (muitas delas denunciadas numa página do Facebook chamada Os Truques da Imprensa Portuguesa), desviando a discussão para o nível da conspiração global e/ou governamental contra a imprensa livre ou mascarando esses erros na denúncia (aqui legítima e relevante) de tentativas de perverter a deontologia profissional para caluniar a publicação de trabalhos jornalísticos corretos..Não reconhecer o erro factual (que pode acontecer a qualquer redação), não corrigi-lo, não pedir desculpa aos leitores, não distingui-lo claramente da discussão subjetiva do que deve ou não deve ser uma notícia é o pior caminho para a defesa da liberdade de imprensa: revela, por parte dos jornalistas, autoritarismo, autismo, arrogância e fará, pela banalização, que uma notícia de jornal acabe mesmo por ter o nível de credibilidade de uma inventona na web..Não assumir o erro no jornalismo liquida o respeito que a sociedade tem pelos jornais. Na sequência desse imodesto abuso de poder jornalístico, constante e repetido, a sociedade, inevitavelmente, acabará por exercer o seu direito a limitar a liberdade de imprensa... É isso que queremos?