O Autarca Modelo

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Primeiro foi Avelino Ferreira Torres que ostentou o cetro de autarca modelo. A sua carreira começou como dirigente do MDLP um movimento que segundo a Wikipedia e cito com a devida vénia "foi uma organização terrorista". Nada melhor para começar, nada melhor do que uma experiência como terrorista para se transformar em autarca eficaz. Avelino tornou-se depois dirigente desportivo e autarca à frente da Câmara de Marco de Canavezes. A sua obra é imensa, por exemplo financiou o clube que dirigia e conseguiu mesmo que o estádio deste modesto clube fosse batizado de Estádio Avelino Ferreira Torres, isto é o seu próprio nome.

Pela sua dedicação ao futebol foi arguido no processo do Apito Dourado mas não foi condenado. Lembram-se do caso do Apito Dourado? Um mega processo que acabou em nada. Uma vitória da Justiça. Como autarca também se viu envolvido em ações judiciais, foi condenado a 3 anos de prisão por crime de peculato, sábio litigante recorreu e a sua pena foi reduzida para dois anos, recorreu de novo até que o crime prescreveu. Não cumpriu qualquer pena. Brilhante. Foi justamente aclamado pelo mundo político e mediático como autarca modelo e foi figura assídua na televisão, onde aconselhava jovens autarcas a seguir-lhe as pisadas. Boas lições. Não se esqueçam comecem sempre pelo terrorismo. É meio caminho andado para o sucesso.

O seu sucessor tem uma carreira mais brilhante e em autarquia mais importante e populosa situada no coração da Grande Lisboa, perto da capital política do país. Este foi mais longe. Foi mesmo condenado e cumpriu uma breve pena, com comportamento impoluto quer na cela quer no pátio. Esta sentença em país sem tradição de condenação de autarcas é feito modelar. Foi ministro e depois de sair da prisão voltou a ser eleito com maioria absoluta. Recentemente foi de novo envolvido em escândalo que envolveu buscas pela Polícia Judiciária.

A sua obra continua. Temos um ditado que diz "quem faz um cesto faz um cento". Os empreendedores são assim nunca estão satisfeitos com os resultados alcançados. Querem sempre mais. As populações é que beneficiam.

A semana passada choveu. Como acontece todos os anos por esta altura. Nada de extremo, foi só um dia. Algés inundou. Nada a ver com as alterações climáticas que desde os anos 50 do século XX temos ciclicamente inundações em Algés. As inundações de outros anos foram muito piores, as de 1967 foram particularmente mortíferas.

O autarca modelo foi eleito pela primeira vez Presidente da Câmara em 1985, quase há 40 anos, pelo que viveu intensamente mais de uma dezena de cheias em Algés. Pensou no assunto maduramente e avançou soluções. Está tudo pensado, planeado, preparado, os fundos europeus do PRR em estudo, os concursos em análise, mas obra, essa, não existe. Dir-se-á, não houve tempo. 37 anos passam num instante. Ainda hoje começamos e já se foram 30 anos. Depois com o tempo de prisão e o tempo no Governo as coisas atrasaram-se. Agora vamos dar fogo à peça logo que tudo seque e esqueça.

Vejam e aprendam com o modelo: Morreu uma pessoa. Lamentamos. Casas destruídas. Lamentamos. Carros destruídos. Lamentamos muito. Pessoas na miséria. Lamentamos ainda mais. O Governo que apoie. É para isso que lá está, que nós temos mais em que gastar o dinheiro. Vamos construir uma sede para a autarquia orçada em dezenas de milhões. Comerciantes com negócios em dificuldades ,apoiamos com o mínimo possível. O Centro de Saúde alagado. Esperamos que seque rapidamente, para retomar o seu funcionamento. Falamos de alterações climáticas. Agora o clima está tão mudado que continua a chover em Dezembro. Uma surpresa total, com o aquecimento global pensámos que ia deixar de chover. Estas alterações são muito enganosas. Um sorriso, uma frase da moda, um olhar para a cãmara da televisão e está tudo bem. Obrigado, e agora ao trabalho, que temos que aprovar mais construções para impermeabilizar o que falta do leito da ribeira. Que também queremos fazer o mesmo no Dafundo. Não deve ser só Algés a ter cheias, digo alterações climáticas. Toca a todos e no terceiro mundo é muito pior. Para o ano vira o disco e toca o mesmo. Lembrem-me de lhes dar um doce na Páscoa.

Uma atuação modelo já seguida pelo inexperiente Presidente da Cãmara de Lisboa. Aprendendo pela cartilha do Autarca sem Mestre. Alinhados em defesa da democracia. Viva Portugal.

Era tão bom que, aqui onde moro, não tivéssemos um autarca modelo.

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