O inesperado fim do Papa João Paulo I é o tema do thriller A Morte do Papa. Albino Luciani, o nome verdadeiro do sumo pontífice que morreu ao fim de 33 dias de papado em 1978, não foi uma escolha difícil para o autor Nuno Nepomuceno, que nos últimos livros publicados se aproximou das principais religiões nas suas narrativas..Apesar de o papa que protagoniza o livro ser Mateus I, o leitor percebe de imediato que é o primeiro João Paulo o visado, sendo que os mais distraídos chamados à atenção para o verdadeiro papa com uma nota na contracapa - "inspirado na vida e morte de João Paulo I - ou outras advertências. "Queria escrever um thriller religioso, mas quando terminei A Última Ceia não tinha qualquer ideia definida além do assunto: a Igreja Católica. Então, fui à procura de mistérios e encontrei alguns, entre os quais a morte de João Paulo I. Era o mais adequado e ao começar a investigar surgiram logo ideias", justifica Nuno Nepomuceno..A vontade de escrever um thriller estritamente religioso, responde quando confrontado com a existência de um filão em que o Vaticano e os papas abundam, "não tem que ver com um sentido meramente comercial nem existe da minha parte um grande plano em mente do género daqui para a frente todos os meus livros vão ser thrillers religiosos. Apenas achei esta história interessante e dediquei-me a ela porque era ao meu jeito". Conclui o pensamento: "Há quatro livros que escrevo sobre temas relacionados com a religião. Um primeiro sobre o islão, depois o judaísmo e seguiu-se um episódio do Novo Testamento. Este era o caminho lógico.".A Morte do Papa vem na linha de alguns thrillers que os autores portugueses têm vindo a publicar, numa luta contra alguma indiferença dos leitores portugueses contra o que é escrito por cá. Um dos que se destacaram neste tema foi Luís Miguel Rocha, que aprofundou a temática como mais nenhum em sucessivos romances. Aliás, estava a preparar um romance sobre a resignação de Bento XVI quando morreu. Também José Rodrigues dos Santos o tentou em Vaticanum - e não só -, abrindo as portas para uma maior divulgação deste género literário quando escrito por portugueses. Uma situação sobre a qual Nepomuceno se queixa: "O leitor português gosta de thrillers mas está habituado a que venham de autores estrangeiros. Essa tem sido uma das minhas grandes lutas desde que comecei a escrever livros. O leitor aceita o que vem de um autor inglês ou nórdico sem questionar qualquer mérito, no entanto se é de um português parece que precisamos de provar que temos qualidade.".Para Nuno Nepomuceno, esse certo desdém pelo que é nacional está a inverter-se na produção televisiva e na música e acredita que a literatura chegará ao mesmo estado: "Espero que um dia os autores portugueses estejam tão bem ou melhor ainda do que os autores estrangeiros." É essa natureza própria de um registo que Nuno Nepomuceno pretende apresentar ao afirmar que "já tenho a minha própria voz e estilo", em tudo diferente dos mestres que o inspiraram, Daniel Silva ou Ken Follett, de quem diz: "Cresci a lê-lo e foi quem mais me influenciou.".Morte de Albino Luciani inspira Mateus.O Vaticano não é estranho ao autor, que conhecia bem de uma anterior estada e que na preparação deste thriller voltou a visitar: "Queria conhecer melhor alguns espaços." O objetivo era situar o Papa Mateus I, o protagonista que "utilizo numa projeção de João Paulo I para não ser acusado de dizer que ele fez isto ou aquilo. A nenhum leitor, contudo, escapará que A Morte do Papa é baseado nas circunstâncias da vida e da morte de Albino Luciani"..Durante a investigação, Nepomuceno recolheu tudo o que apurou, colocou num documento Word e estruturou o romance. Muitas coisas foram ficando de fora e apareceram outras que deram a forma final. Incluiu duas personagens que já vêm de livros anteriores, Diana e Afonso, e que desde há várias aventuras fazem companhia aos seus leitores: "Quero que os leitores possam acompanhar a vida deles desde que apareceram em A Célula Adormecida, um livro baseado na comunidade islâmica portuguesa." Se nesse thriller anterior ouviu várias opiniões dessa comunidade, em A Morte do Papa isso foi impossível: "Não trabalhei com ninguém de dentro da Igreja porque é muito fechada.".Não é só a Igreja portuguesa que se comporta assim, responde quando se questiona o porquê de um papa o ter sido apenas por 33 dias, morrer inesperadamente e nunca se ter sabido as circunstâncias exatas da sua morte: "A Igreja Católica é muito fechada em relação ao que se passa no seu interior. É assim que funciona, porque é um meio extremamente conservador e muitas das pessoas que mandam dentro do palácio apostólico é gente com muita idade e preferem manter entre elas o que se passa. Não sentem necessidade de explicar ao mundo o que aconteceu." Acrescenta: "Estou a fazer uma suposição, pois podem até existir dentro da própria Igreja Católica informações sobre o que realmente aconteceu, porque duvido que um papa apareça morto e não se queira saber a razão. Até porque a explicação oficial que foi dada no seguimento da morte do Papa João Paulo I é altamente frágil e tem muitas lacunas. No entanto, volto a dizer, creio que no Vaticano não se sente necessidade de contar ao mundo o que sabem - tal como em muitas das outras religiões. Não revelam tudo aquilo que sabem, daí que acredite que haja mais explicações sobre a morte de Albino Luciani mas nunca foram publicadas.".O papa que sobressaltou o Vaticano.Para escrever o thriller, Nuno Nepomuceno investigou a vida de Albino Luciani e o curto papado de João Paulo I. Seria um bom papa, pergunta-se: "Sim, do que pude compreender sobre a sua vida acho que se João Paulo I tivesse vivido mais tempo iria introduzir mudanças muito importantes na Igreja Católica. Tinha ideias muito concretas e avançadas em relação às posições sobre a adoção de crianças por casais do mesmo sexo e era, à semelhança do atual Papa Francisco, muito descomplexado sobre a questão de sexo - não era um tabu. Pode adivinhar-se que seria um revolucionário e que fez muita falta, mas durou apenas 33 dias e quem se seguiu foi um papa muito conservador.".Muito do thriller anda em redor de teorias de conspiração e informações como as que estão em sites na internet. Segundo o autor, essa inclusão deve-se a um acontecimento recente, o caso do hacker Rui Pinto: "Essa parte do livro foi um pouco inspirada no caso de Rui Pinto, que não desenvolvi tanto como pensei no início para evitar um livro demasiado longo." Quanto aos sites, Nepomuceno considera que "contêm muitas teorias da conspiração e que hoje em dia, pela facilidade com que alguém pode criar uma página na internet e escrever livremente sobre qualquer tema em que acha que tem razão, torna-se um risco e daí ser preciso ter muito cuidado com a informação à qual acedemos. Não podemos cair na tentação de facilitar nem confiar na primeira entrada que aparece no Google, o que tento fazer é cruzar fontes e encontrar as contradições"..O que aconteceu ao papa.A grande questão que ocupa as 350 páginas deste A Morte do Papa é a de se o Papa João Paulo I morreu de causas naturais ou foi assassinado. Para Nuno Nepomuceno, a resposta tem duas possibilidades, respondendo mais rapidamente à seguinte: "Acho que a morte de João Paulo I não foi natural." A seguir vai mais longe: "Terá sido assassinado de forma intencional ou poderá ter sido uma morte acidental." Ao fim de muitos meses de investigação, o autor confessa que "esta é uma dúvida que persiste e tive de construir o livro de maneira a deixar essa interrogação". Nos últimos capítulos do thriller, Nepomuceno apresenta uma versão próxima da do Vaticano: "Apesar de as personagens principais chegarem ao contacto com a freira Concepción [personagem ficcional], para dar no livro a explicação oficial sobre a morte do papa, acabamos por ficar na dúvida sobre quem terá realmente matado João Paulo I. Terá sido o secretário de Estado, uma personagem extremamente dúbia e um vilão no livro? Terá sido o camerlengo, que escreveu aquela carta que desapareceu e que seria uma confissão. Ou terá sido o jovem secretário que colocou um escorpião na cama do papa. Tentei deixar o espaço para a dúvida e procurei não afirmar se foi assim ou de outro modo. Não se sabe o que se passou, só quem lá estava o poderá dizer e até à data nunca se soube de uma investigação que revelasse com certeza o que aconteceu. Não tenho a presunção de esclarecer... Espero que tenha sido uma morte não natural mas acidental e nunca um ato premeditado. Prefiro pensar que ninguém chegou a esse ponto.".Vaticano gera apetite livresco que todos usam.Apesar de o filão papal ser infindável, os grandes mistérios sobre o Vaticano continuam por descobrir - e provar..O pequeno Estado do Vaticano é gigante o suficiente para nele caberem todas as tramas. Reais e surreais, que envolvem desde simples funcionários até ao homem de roupa branca que dirige centenas de milhões de católicos. O filão editorial papal é um sem-fim de livros que geram sempre curiosidade, mesmo que se repitam em descrições da Capela Sistina ou nas intrigas sobre os seus subterrâneos. É, aliás, esta face invisível do Vaticano que serve de pretexto a inúmeros livros que especulam e se alimentam de hipotéticos segredos nunca revelados e que se aprofundam a cada novo papado. E não é difícil que tal aconteça, pois a figura do papa sempre foi misteriosa e até ao recente sumo pontífice Paulo VI nem abandonavam o território do enclave romano..Um dos primeiros romances "contemporâneos" que viveu deste mistério foi As Caves do Vaticano, publicado em 1914, um arrazoado de intrigas que o escritor francês André Gide edificou sobre essas salas invisíveis, tendo até aprisionado um papa nessas caves por um grupo terrorista - quando estes ativistas ainda não estavam na moda. Várias décadas depois, Dan Brown foi atrás da receita e fecha com estouro esse filão ao encher o seu livro Anjos e Demónios com todas as invenções possíveis após o envenenamento de um papa..Pelo meio, as tentativas de usar o Vaticano como argumento são inúmeras e em todos os sentidos. Volker Reinhardt aproveitou o Papa Alexandre VI, um Bórgia, para escrever O Papa Sinistro e provar que em dois mil anos de cristianismo nenhum papa foi tão corrupto..As teorias da conspiração não deixam o Vaticano sossegado também e são inúmeros os volumes sobre outras corrupções no reino papal, seja com altos dignitários seja com o conhecimento dos próprios papas. A questão sexual, designadamente o homossexual, é o mais recente filão e ainda este ano a investigação de outro francês, Frédéric Martel, foi um sucesso: No Armário do Vaticano..Mas os próprios papas também alimentam o filão, autorizando recolhas sobre os seus pensamentos - 365 Pensamentos do Papa Francisco -, coletâneas de homilias ou entrevistas raras como a de Andrea Tornielli em Francisco: O Papa de todos Nós..A Morte do Papa.Nuno Nepomuceno Editora Cultura 350 páginas