Em 1972, o escritor italiano Italo Calvino, nascido 49 anos antes em Cuba, amoedava para a cartografia terrestre um punhado de novas cidades. Em As Cidades Invisíveis, o diálogo ideado pelo escritor junta Marco Polo e Kublai Khan. O mercador relata ao imperador mongol as maravilhas de 55 urbes. Despina, Eufêmia, Leandra, as poéticas metrópoles, desfilam na prosa de Calvino, autor que se havia estreado em 1947 com a obra O Atalho dos Ninhos de Aranha. Partilham estas cidades um berço e destino comum, nenhuma está assinalada nos mapas, ou existe para além destes. Nasceram do génio de Calvino que talhou, por exemplo, para a deusa grega Despina, filha de Posídon, o destino de uma cidade imbuída no desejo..É robusta a lista de cidades e lugares tecidos no fértil campo da imaginação humana, como bem o expressa o Dicionário de Lugares Imaginários de Alberto Manguel e de Gianni Guadalupi, com mais de um milhar de entradas, entre elas, Ruritânia, Xanadu, Shangri-La, Atlântida, Oz..Também Gabriel García Marques tornou crível a cidade de Macondo, no livro Cem Anos de Solidão e, mais recentemente, François Schuiten e Benoît Peeters, acrescentaram aos mapas as suas cidades obscuras, erigidas em páginas de banda desenhada franco-belga. Urbicanda, Samaris, Brusel, compõem uma trama de novas e inquietantes arquiteturas..Lugares projetados para além dos territórios palpáveis E que não apartam as novas tecnologias. Neste nosso mundo digital, as rasteiras à georreferenciação também geram territórios nas fronteiras da impossibilidade..No Atlântico Sul, mais precisamente no Golfo da Guiné, a cerca de 600 quilómetros da costa do Gana, em África, as águas quentes tropicais abrigam um dos territórios mais visitados da Terra. Não mais de um metro quadrado bamboleaste onde, é provável, muitos entre nós já "aterrámos". Fizemo-lo por segundos, sem que disso tenhamos tido aviso..Null Island, ou preferindo-se a versão aportuguesada, Ilha Nula, finca-se na interceção da linha do Equador e do Meridiano de Greenwich, nos zero graus de latitude e longitude. O território insular tornou-se uma espécie de piada para geógrafos, popularizado a partir de 2011, após referência no Natural Earth, uma extensa base de dados que coleta mapas..A Null não lhe falta uma carta com orografia, bandeira nacional e, inclusivamente, uma história. Contudo, no local onde o mapa nos aponta o território insular não há mais do que uma solitária boia meteorológica. Tem nome, 13010, ou "Alma" e é uma entre dezenas de congéneres que operam para o sistema PIRATA, rede internacional de observação para melhorar o conhecimento e compreensão do sistema oceano-atmosfera na cintura tropical..O que torna Null Island uma atração turística mundial (no campo de uma eterna possibilidade), reside na natureza dos sistemas de geocodificação. Numa explicação simples, refira-se que as tecnologias que permitem apontar posições e endereços exatos e em tempo real, carecem de coordenadas exatas. Não basta saber que a Biblioteca Nacional, sediada em Lisboa, tem como endereço a porta número 83 no Campo Grande. Há que contar com as coordenadas do local (tão amigas que são do nosso GPS). No caso concreto 38° 45' 4" N 9° 9' 9" O..Num mundo sem sistemas falíveis, a miríade de coordenadas geográficas apontaria como seta ao centro exato do alvo, ou seja, a morada pretendida. Contudo, os sistemas falham ou ficam confusos. Por exemplo, quando os telemóveis não comunicam as coordenadas do local onde o utilizador se encontra. Quando tal acontece, a viagem faz-se para as coordenadas zero, a Ilha Nula. E o território recebe mais uma visita..Uma viagem à velocidade do digital onde embarcaram eleitores norte-americanos do estado do Wisconsin nas eleições presidenciais de 2012. Uma deficiência no sistema omitiu as coordenadas de residência destes cidadãos. Em consequência a Ilha Nula tornou-se o lar destes norte-americanos. Um domicílio solitário a 10 mil quilómetros de casa.