Novos sindicatos colocam sob pressão atual solução de governo
Um pequeno sindicato e uma greve que paralisou o país e causou até algum alarme social. Em véspera de eleições europeias o governo saiu chamuscado deste protesto dos motoristas de matérias perigosas e dos três dias de algum caos instalado no país? Ou saiu airosamente da mediação do conflito neste setor privado? Esta nova forma de conflitualidade social, sem o dedo das grandes centrais sindicais, é uma pressão sobre os partidos à esquerda, em particular o PCP, para descolarem do governo antes e depois das legislativas?
"O governo fez o que qualquer outro faria, mas numa conjuntura pré-eleitoral são sempre picos de saliência negativos", afirma ao DN António Costa Pinto. Mas o politólogo, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, prefere destacar o facto de esta greve não ter qualquer interferência da CGTP e da UGT. "Isto mostra uma despolitização do movimento sindical e uma perda de influência das centrais no controlo da conflitualidade social."
A ideia é partilhada por José Adelino Maltez. O professor catedrático no Instituto de Ciências Socais e Políticas (ICSP) argumenta que o governo, em particular o novo ministro dos Transportes e Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, conseguiu lidar bem com com "estes novos movimentos laborais", bem "informados sobre o que deveriam fazer", e depois de muitos socialistas "mais costistas do que Costa terem apelado nas redes sociais a um ataque ao sindicato". O executivo conseguiu mediar o conflito entre patrões e motoristas e abrir um processo de negociação até final do ano que ditou o fim da greve.
A realidade, frisa o politólogo, é que estes movimentos são típicos de uma sociedade pluralista que tem de lidar com novos movimentos sindicais.
Pedro Adão e Silva, professor no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), vai mais longe e diz que este protesto pode atingir os alicerces da atual solução de governo. "Este tipo de greve e a sua manifestação silenciosa surpreendeu todos e criou sérios problemas à governação em Portugal."
E porquê? "Perante a emergência de novos sindicatos, que substituem os tradicionais, e em muitos casos após a assinatura de acordos coletivos, levará a que a CGTP e o PCP que a domina façam uma avaliação sobre as consequências do apoio ao governo e da diminuição da contestação social." A central e o partido, que é um dos alicerces do governo no Parlamento, deverão sentir a necessidade de se fazer ouvir mais e ganhar uma "agenda mais reivindicativa e até disruptiva", diz Pedro Adão e Silva.
"Ninguém perdeu, ninguém ganhou, mas se há uma coisa que ficou clara é que não temos um plano de contingência para lidar com crises destas", afirma José Adelino Maltez, que considera, apesar de elogiar a postura do sindicato envolvido nesta greve, ser inadmissível que o país fique refém e paralisado por um grupo de profissionais. "Somos um país fragilizado, indefeso e exposto", afirma o politólogo.
"O ministro tem de pegar nos dossiês porque não é mais possível adiar os investimentos necessários como a construção de um pipeline para abastecer o aeroporto, que não pode ficar fragilizado."
Os três últimos dias e o stress que causaram nos portugueses, angustiados com os depósitos dos carros por abastecer, não foram ainda medidos nas sondagens. Mas os politólogos pensam que terão um efeito residual nas intenções de voto nas eleições europeias, já que o problema foi resolvido (ou adiado) num curto espaço de tempo.
Já a polémica sobre as nomeações de membros da família para o governo parece estar a provocar uma erosão na base de apoio do PS. Nos últimos estudos sobre intenções de voto, o PSD aproximou-se do PS. "Se houver uma personalidade a destacar não será o presidente do PSD, Rui Rio, mas o cabeça de lista ao Parlamento Europeu, Paulo Rangel que lançou o tema", afirma António Costa Pinto.
A que José Adelino Maltez acrescenta que a erosão está a verificar-se na âncora da base eleitoral dos fiéis do partido do governo. "No núcleo duro socialista estas questões das nomeações estão a provocar deserções", afirma. O que conjugado com a "teimosia de Rui Rio que, com ar de sonso, fala para o homem comum e tenta conquistar o seu voto", está a aproximar os dois partidos. "O príncipe Costa perdeu algum encanto e já se pensa que o Rio tem alguma razão..."
Para Pedro Adão e Silva "o PS avançou com uma linha de campanha perigosíssima e equívoca", ao pedir uma moção de confiança ao governo, numas eleições que são sempre utilizadas pelo eleitorado para penalizar quem está no poder.