Novo cinema português, novos produtores
A Caracol de Joana Domingues e a Primeira Idade de Pedro Fernandes Duarte não são produtoras nascidas ontem mas estão agora, mais do que nunca, a levantar a cabeça e a fazerem-se notar. Numa altura em que os seus novos filmes nascem para o circuito das salas, tentamos junto deles perceber se há um novo movimento de produção de cinema em Portugal, se há uma nova maneira de fazer cinema.
No caso de Pedro Fernandes Duarte, percebe-se que há uma vontade de apostar num cinema de autor que não tem medo de pedir espetadores. Este licenciado no curso de cinema da Escola Superior de Cinema foi aos Encontros de Cinema Português a semana passada e pediu mais salas em alto e bom som para A Metamorfose dos Pássaros. Pedro acredita que este é um filme cuja visão de Catarina Vasconcelos sobre o vazio criado pela morte da sua mãe pode suscitar adesão num público interessado numa obra premiada na Berlinale e com um currículo de festivais notáveis.
"Não me interessa os prémios que o filme recebeu. O que me interessa são as pessoas que me dizem que o filme mudou as suas vidas...Soube de alguém que me disse que o filme mudou toda a sua vida - isso é o mais importante. Mas precisamos de salas para que isso possa acontecer". Convém referir que à partida este premiado filme sobre o luto da figura maternal não é fácil: atores conhecidos por aqui não passam e a facilidade da arte da narrativa nem vê-la. Trata-se de um filme do lado do insondável mas com uma capacidade para criar afetos evidentes.
Joana Domingues, 33 anos, abriu a Caracol em 2016 e desde aí produziu Carga, de Bruno Gascon e para a semana estreia Sombra, do mesmo realizador, obra que se inspira muito livremente no caso do desaparecimento de Rui Pedro. "Desde que abrimos a produtora que sinto que estão a aparecer cada vez mais pessoas diferentes, gente com novas visões e também mais mulheres a produzir. É um facto, a faixa etária de quem produz está a baixar e isso reflete-se numa variedade maior nos projetos. Em todas as épocas surgem abanões...À medida que os tempos avançam todos nós acabamos por ser pioneiros de alguma coisa. Neste momento, vivemos tempos excecionais - há um interesse internacional em Portugal. Mesmo no investimento há uma diversidade e isso é uma vantagem", começa por contar. Tal como a Primeira Idade, a Caracol também tem sabido jogar com novas formas de financiamento. No caso de Sombra, com uma ajuda da autarquia de Viana do Castelo, cenário de todas sequências em Portugal deste drama sobre uma família desfeita. Para Joana, torna-se também fundamental assegurar desde logo as vendas internacionais do projeto. Mesmo sendo uma primeira obra, Carga foi vendido para diversos territórios.
Agora, Joana prepara uma quarta longa enquanto Evadidos, de Bruno Gascon, ainda se encontra nos retoques finais. Como é que uma produtora a dar os primeiros passos tem esta pedalada? "Trabalho, muito trabalho. Vivo para isto vinte e quatro horas por dia, produzir não é um hobby. Há um envolvimento muito grande, do berço à cova: desde o financiamento até ao momento em que o filme chega às salas. Talvez esta nova geração de produtores tenha uma mentalidade mais forte para todo este envolvimento...". Pedro Fernandes Duarte também diz que há um lado algo insano de sacrifício pessoal: "Não tenho vida pessoal, um produtor abdica de tudo. Não fui eu quem escolhi isto, foi a profissão que me escolheu. Faço-o por querer que os filmes existam, é ativismo, é cinefilia. Passa por uma ideia de conquista dos meios de produção. Trata-se de um investimento brutal do meu tempo, da minha vida, do meu dinheiro...São noites sem dormir a carimbar faturas, é muito frustrante, mas para produzir com criatividade é necessário fazer isso, sobretudo em Portugal, onde é tudo extremamente burocrático".
Se por aqui pode surgir um conceito de produção de autor, no caso de Joana Domingues há também uma ideia de desafiar preconceitos da pequenez do nosso cinema. Os filmes que tem feito estão embrulhados para serem filmes internacionais, mesmo que falados em português. Além disso, outro dos seus méritos é conseguir convencer alguns dos nossos maiores nomes a figurem nos elencos. Rita Blanco, Vitor Norte, Ana Moreira, Lúcia Moniz, Joana Ribeiro e Miguel Borges confiaram nela mesmo sem conhecerem o trabalho de Bruno Gascon. E há também o caso de uma invenção de atriz: Sara Sampaio, a modelo portuguesa que entra também em Sombra depois da estreia em Carga. Com uma promoção muito assente nas redes sociais e um trailer eficaz, Joana ainda não tem a certeza se Sombra pode vir a ser um sucesso de grande público: "uma coisa é certa trata-se de um filme que vai tocar muita gente. Em termos de imprensa, está a correr muito bem - tem havido interesse. E mesmo pessoas inesperadas estão a juntar-se a nós, da Dra. Manuela Eanes a Bagão Félix, pessoas que viram e gostaram. Queremos que o filme toque as pessoas. Sombra, mais do que um drama, é uma história de amor, esperança e coragem. As pessoas que esgotaram na antestreia as duas salas do São Jorge saíram de lá com lágrimas nos olhos mas ao mesmo tempo com um sorriso pois sentiram que esta é também uma história de força, mostrando o quão longe pode uma mãe ir para encontrar o seu filho".
Quanto a A Metamorfose dos Pássaros, Pedro está a fazer os possíveis e os impossíveis para que este belo filme tenha visibilidade na estreia, mas deixa um aviso: "precisamos de criar em Portugal um financiamento para a promoção dos filmes! Mas aí está o filme a chegar às salas e isso é importante. Sabe, tivemos muitas propostas para estrear antes em streaming, mas tenho a certeza que vai ser muito visto. A Metamorfose dos Pássaros é um filme que será sempre visto ao longo dos anos. Quando o vi pela primeira vez avisei a Catarina Vasconcelos que era um objeto para mudar o cinema português!". Depois de A Metamorfose dos Pássaros, esta Idade tem ainda para nos dar a estreia nas longas de Mariana Gaivão e um filme chamado A Primeira Idade, de Alexander David, com Ágata Pinho e Joana Ribeiro numa terra onde as crianças são reis. As sementes estão lançadas, mesmo com a "vida destruída", Pedro sabe disso e garante que os resultados de tanto esforço são enormes, mas acaba com um aviso: "o sistema em Portugal olha para a minha produtora como uma anomalia. Os frutos que brotam dessas sementes não trazem mais estabilidade financeira, apenas mais esforço e responsabilidade. Lembro que nunca venci o subsídio para uma longa de ficção, com as regras do jogo é impossível!"
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