Novas imagens do "Homem do Buraco", o índio que escolheu a solidão em vez da civilização
Pode bem ser o homem mais solitário do mundo. Conhecido como o "Índio do Buraco" é o último sobrevivente de uma tribo indígena e vive na floresta da Amazónia há 22 anos. Estima-se que tenha cerca de 50 anos. Foi captado recentemente pelas câmaras da agência Funai - que o acompanham, à distância, desde que o descobriram, em 1996 - e as imagens mostram-no a derrubar uma árvore com a ajuda de um machado.
"Mesmo sozinho no meio do mato, mostra-nos que é possível sobreviver e resistir a uma aliança com a sociedade maioritária", descreve um dos elementos da agência que monitoriza o último de uma tribo que foi dizimada nos anos 90.
Esta foi uma das vezes em que a equipa da Fundação Nacional do Índio (Funai) conseguiu captar imagens do indígena, o que aconteceu sempre "por acaso". Apesar de ter perdido o grupo ao qual pertencia, o "Homem do Buraco" recusou sempre o contacto com a civilização. No vídeo aparece seminu, mas aparenta uma excelente forma física.
Os investigadores acreditam que o homem terá ficado sozinho depois do último ataque de fazendeiros, nos finais de 1995, apesar dos indícios apontarem para um grupo que já era muito pequeno: seriam seis pessoas apenas. "O Homem do Buraco" terá sido o único a sobreviver à chacina.
"Os culpados jamais foram punidos", lê-se no site da Funai. Em junho de 1996, a agência descobriu a história da tribo e percebeu que um dos seus elementos ainda resistia. E começou a segui-lo à distância.
"Imagine passar 22 anos observando uma só pessoa. Planeando ações de vigilância no território onde vive, garantindo a sua proteção contra ameaças externas. Nenhuma palavra trocada. Todo o contacto consiste em fornecer alguns objetos que podem ser úteis à sua sobrevivência. É esse o trabalho realizado pela Funai na Terra Indígena (TI) Tanaru, onde vive o indígena isolado conhecido como o 'Índio do Buraco'" descreve a agência.
"Ele está muito bem, caça e mantém algumas plantações de mamão e milho", disse Altair Algayer, coordenador regional da agência indígena Funai, do estado de Rondônia, onde vive o indígena.
"Tem uma boa saúde e uma ótima forma física, devido a todos esses exercícios", frisa, citado pelo The Guardian. O índio percorre dezenas de quilómetros no interior da floresta para caçar e plantar os alimentos que consome.
Segundo a Funai, o índio sobrevive caçando porcos selvagens, pássaros e macacos com um arco e flecha e também monta armadilhas em buracos escondidos. A tribo à qual pertencia era conhecida por cavar buracos à volta do seu território, e é por isso que o indígena recebeu a alcunha de "Homem do Buraco".
"Eu entendo a sua decisão [em viver só]", diz Algayer. "É a sua forma de resistir, e um pouco de repúdio e ódio, se conhecermos a sua história e aquilo porque passou", sublinha.
Fiona Watson, investigadora da Survival International, um grupo sem fins lucrativos que trabalha para proteger os povos indígenas, descreveu as imagens agora reveladas como "extraordinárias", considerando que os 8.070 hectares de floresta protegida em que o homem vive são completamente cercados por fazendas.
"A Funai tem o dever de mostrar que ele está bem e vivo", disse Watson, que em 2005 fez parte de uma missão da Funai na reserva e viu os buracos que o homem tinha cavado à volta do seu território, da sua casa e das suas plantações, embora não o tivesse visto.
"O facto de ele ainda estar vivo dá-nos esperança", afirmou.
Os registos indicam que, nos últimos 10 anos, a Funai realizou 57 incursões de monitorização do indígena e cerca de 40 viagens para ações de vigilância e proteção da TI Tanaru. Foram localizadas 48 moradas e registadas várias imagens do "Homem do Buraco".
Apesar da equipa reduzida, a agência "sabe sempre sabe mais ou menos em qual parte da floresta ele está. Monitorizamos de longe", afirma Altair Algayer.
Desde que soube da sua existência, a Funai fez várias tentativas de contacto com o indígena, a última das quais em 2005. Todas sem sucesso. Deste então, deixam apenas algumas ferramentas e sementes para plantio em locais por onde o indígena passa frequentemente.
Mas o que mais surpreende a equipa que acompanha a trajetória do indígena "é a sua vontade de viver". "Esse homem, que a gente desconhece, mesmo perdendo tudo, como o seu povo e uma série de práticas culturais, provou que, mesmo assim, sozinho no meio do mato, é possível sobreviver e resistir a uma aliança com a sociedade maioritária. Eu acredito que ele esteja muito melhor do que se, lá atrás, tivesse feito contacto", admite Altair.
Especialistas da Funai acreditam que existam 113 tribos isoladas a viver na floresta amazónica brasileira - dos quais 27 grupos já foram confirmados - e uma tribo que vive já fora do território do Brasil. Havia 15 tribos isoladas no Peru e outras na Bolívia, Equador e Colômbia.
Algumas tribos são caçadoras coletoras ou pescadoras nómadas - como os Awá, no Maranhão, no lado oriental da Amazónia, que, como o "Homem do Buraco", vivem em reservas mais pequenas e que são essencialmente oásis dentro da floresta cercados por terras desmatadas. Outros, incluindo alguns que vivem nas margens ocidentais da Amazónia, plantam bananas, milho, batatas e outras culturas.
À medida em que a floresta amazónica vai sendo destruída, mais grupos íindígenas têm sido descobertos.