A última imagem pública de Marcelo Crivella, o prefeito do Rio de Janeiro que se tornou um dos símbolos da "nova política" à brasileira, é a caminho de uma cela, rodeado de polícias, acusado de corrupção. Um destino, afinal, não muito diferente do dos ex-governadores Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, presos pelo mesmo motivo, e de outras lideranças conotadas com a "velha política" que os eleitores quiseram erradicar nas urnas há dois anos. Nesses dois anos, portanto, a "nova política" à brasileira caducou..Crivella, que procurou esconder na campanha à prefeitura de 2016 ter sido senador e ministro das Pescas e exaltar a sua condição de "não político", bispo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), sobrinho de Edir Macedo e cantor gospel nas horas vagas, perdeu a corrida à reeleição na prefeitura carioca nas municipais de novembro. Era apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, o expoente máximo da "nova política" (embora político há 30 anos) que viu a maioria dos candidatos municipais que apadrinhou serem derrotados de norte a sul do país..Nessas municipais, a jornalista Joice Hasselmann, em rutura com Bolsonaro, ficou aquém de cem mil votos como candidata a prefeita de São Paulo - em 2018, concorrendo nas eleições gerais como novidade na política, superara um milhão de preferências e tornara-se a deputada federal mais votada da história do Brasil..Ainda em 2018, Wilson Witzel, um juiz desconhecido dos eleitores até à campanha, foi eleito, contra todas as expectativas, governador do Rio superando os "velhos políticos". No seu discurso, declarou morte aos bandidos - "a polícia vai mirar na cabecinha e... fogo" - e prometeu acabar com a corrupção. Está afastado, alvo de impeachment, por corrupção..PARA DOMINGO-- Wilson Witzel. Nunca houve uma ascensão nem uma queda assim.Carlos Moisés, um bombeiro eleito governador de Santa Catarina ainda em 2018, o mesmo ano em que ingressou na política, também já sofreu impeachment.."A onda de 2018 era uma marola [onda pequenina]?", perguntou em artigo no jornal Diário de Pernambuco o colunista Maurício Rands, a propósito da derrota copiosa dos "novos políticos" nas municipais de novembro.."Parecia avassaladora a rejeição aos velhos partidos e seus políticos. Descontentamento geral contra tudo que cheirasse a establishment e a PT. Bolsonaro surfou uma onda óbvia", escreveu. "Mas o eleitorado revelou-se refratário aos novatos salvadores da pátria. Talvez aprendendo com a inépcia do presidente, hoje com elevada rejeição.".A propósito dos escândalos de Crivella e de Witzel, o colunista Elio Gaspari, do jornal Folha de S. Paulo, notou que "dois anos depois da eleição de Witzel e quatro da de Crivella a "nova política" mostrou o seu verdadeiro rosto".."O único ingrediente original da "nova política" é a demofobia explícita. Ela demoniza a pobreza, nega a pandemia e vive em contubérnio com as milícias. O resultado disso está na sala dos brasileiros: vacina contra a covid só no noticiário internacional", concluiu..Ao DN, o cientista político Vinícius Vieira lembra que "já se previa uma onda curta, mas foi mais curta ainda do que se esperava".."A "nova política" não triunfou", reflete o professor universitário, "porque não tem agenda, à exceção da segurança pública, e mesmo aí com mais retórica do que prática, porque não é capaz de lidar com a desigualdade, de melhorar a qualidade de vida das pessoas, porque, em suma, não é capaz de entregar nada. [...] Por exemplo, Crivella, que não era novo na política mas se elegeu nessa onda, piorou a vida dos cariocas, e o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro, que não tinha nada a apresentar a não ser a agenda anticorrupção, que dá votos mas não chega, já partiu para a iniciativa privada.".O politólogo André Kaysel nota um défice de "ideias novas" nos "novos políticos". "O primeiro problema dessa nova onda é que não era tão nova assim: era baseada em ideias, como o liberalismo económico, a lei e a ordem e o conservadorismo religioso, muito antigas.".Outro dado é que esses "novos políticos", eleitos na mesma onda, entraram em conflito entre si: Bolsonaro, além de Hasselmann, rompeu com os afastados Witzel e Carlos Moisés e até com Moro.."E mesmo chefiando um governo com enorme passivo, nomeadamente agora na área da saúde, continua muito forte para 2022, com 35% de apoio nas sondagens,", diz Kaysel.."Contribui para a sua aprovação a mudança da sua base de apoio, cada vez menos a classe média, que se revia em Moro, e cada vez mais as classes desfavorecidas, que se beneficiaram do auxílio emergencial dado pelo governo e que, por acaso, é mais obra da oposição no Congresso do que de Bolsonaro, que pretendia conceder um terço [200 reais] do que acabou concedido [600 reais]."."Além do auxílio emergencial, Jair Bolsonaro resiste porque vem investindo muito em infraestrutura, sobretudo na área do agronegócio, o que atrai votos", sublinha Vieira..Na onda da "nova política" ninguém se salva? Há uma exceção. O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que trocou o futebol (era presidente do Atlético Mineiro) pela política para concorrer à chefia da sua cidade em 2016, foi reeleito em novembro à primeira volta..O seu nome já é até falado como eventual candidato a presidente ou vice no xadrez da corrida ao Planalto em 2022..Para André Kaysel, "ele é uma exceção interessante, um político popular, que partiu do futebol, mas com perfil de gestor técnico, que agradou a um eleitorado de centro cansado de uma polarização inócua, aproveitando o desgaste no seu estado, Minas Gerais, da dupla PT e PSDB, nas figuras de Fernando Pimentel, no primeiro caso, e de Aécio Neves, no segundo, ambos envolvidos em casos de corrupção".."No fundo, o "novo" na política só resiste se optar por dois caminhos", sentencia Vinícius Vieira. "Entregar serviços à população, como Kalil, que liderou com eficácia na pandemia e foi eficiente em ações pontuais, como por exemplo a instalação de ar condicionado nos autocarros, ou se mantiver uma base bastante aguerrida e investir em obras ou auxílios para grupos específicos, como Bolsonaro.".Marcelo Crivella Prefeito do Rio de Janeiro Não sendo "novidade", o bispo da IURD foi quem anunciou a nova ordem ao vencer a corrida à prefeitura carioca em 2016. Acabou preso por corrupção. Wilson Witzel Governador do Rio de Janeiro Juiz sem experiência eleitoral, surfou a onda bolsonarista em 2018, prometendo combate violento ao crime e o fim da corrupção. Sofreu impeachment, acusado de corrupção. Carlos Moisés Governador de Santa Catarina Bombeiro profissional, foi afastado em processo de impeachment, dando lugar à sua vice, outra novata acusada de simpatias nazis, mas acabou absolvido. Joice Hasselmann Deputada federal Com mais de um milhão de votos, a deputada mais votada da história do Brasil, em 2018, foi a votos como candidata à Prefeitura de São Paulo dois anos depois e não chegou a cem mil..Sérgio Moro Ex-ministro Entrou no governo Bolsonaro, de onde saiu, politicamente menor, para a iniciativa privada. Romeu Zema Governador de Minas Gerais Eleito governador em 2018, o empresário sem experiência política foi considerado o segundo pior governador brasileiro, em 2020. Jair Bolsonaro Presidente da República O principal símbolo do "novo" é, afinal, político há 30 anos. Sustenta-se com 35% de aprovação graças, sobretudo, ao auxílio aos mais pobres dados na pandemia. Alexandre Kalil Prefeito de Belo Horizonte A exceção: trocou o futebol pela política e conquistou os seus concidadãos - foi reeleito à primeira volta - com gestão eficiente.