Nova música angolana quer esquecer guerra

O músico Paulo Flores esteve em Portugal para divulgar o seu novo trabalho 'Ex-Combatentes'.  Um disco que alude "ao largar das armas"  e apresenta uma visão "mais poética" de Angola.<br />
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Paulo Flores, a grande voz da música angolana, veio a Portugal com os sons da nova Angola. Fez dois concertos de apresentação da sua mais recente obra, Ex-Combatentes, um título que alude à rua onde mora, em Luanda, mas "também ao largar das armas". Por três caminhos musicais - "Viagens", "Sembas" e "Ilhas" -, entusiasmou angolanos, seduziu portugueses e disse ao DN que nos discos e nos espectáculos tenta mostrar que "a guerra acabou e que os angolanos, voltando a viajar, descobrem a diversidade do país e as suas diferentes culturas".

E assim, depois de muito ter cantado as dores dos angolanos, Paulo Flores entra "noutro tempo, mais poético e musical", ainda que seja "o quotidiano de Angola ainda amargo". "O que interessa é acompanhar o caminho do país, porque Angola começa a produzir mais do que petróleo e até informação e cultura". "Esse é o processo em que eu quero estar", afirma, porque "as pessoas têm uma vontade enorme de ouvir, perceber e aprender e o que se fizer agora vai marcar a diferença no futuro".

Ao andar pelo país, Paulo Flores impressiona-se com "a diversidade cultural de Angola", de que aponta, como exemplo fascinante, "a cultura musical tchokwé, na Lunda" e entende que "há um país muito diverso que tem grande vontade de comunicar". E para além dos sons, procura, também, os sinais da reanimação e aponta o caso especial do Huambo, "que recuperou tanto que não haverá melhor em Angola dentro de quatro ou cinco anos".

Quanto a Luanda, afirma que "é uma cidade intensa, densa de gente e de emoções, mas onde ainda se vive muito dentro das grades, grades nos muros, nas portas, nos acessos aos elevadores"…

Paulo Flores, apesar dos seus apenas 37 anos, já tem 13 discos editados. Era DJ aos 13 anos e fez o primeiro disco aos 16. Cresceu "em cima da música" porque o pai era "discoteiro, um DJ da época" e "como havia muitos discos em casa, ouvia-os cantando por cima". Até em Angola, "quando o país estava de luto pela morte de Agostinho Neto". Tinha então acabado de chegar a Luanda e lá passou 45 dos 50 dias de luto, "ouvindo a música, em casa, baixinho"…

Depois, foi andando entre Angola e Portugal, sentindo a estranheza de "cantar aqui sobre a falta de água lá, e tendo água cá". As mulheres que o rodeavam, mãe, tia, avós, eram a fonte da sua informação e uma frente feminina decisiva na projecção da mulher como ser dotado de enorme força, uma imagem que se acentuou em Angola, "ao ver uma mulher com uma bacia na cabeça, o filho pela mão, uma enxada ao ombro e o marido atrás, bêbado..." E diz, convicto, que "a mulher foi quem, em Angola, segurou o país, nos anos de guerra". E no entanto, a mulher angolana é normalmente retratada em alguma música da terra angolana de uma forma bem menos grandiosa: "É, desde que meta feitiço, traição feminina e se fale mal da mulher, a música tem logo sucesso…"

Chegou o dia em que Paulo Flores sentiu ter "a ilusão de fazer mais falta em Angola" e partiu, de vez. Fixou residência na ex-Avenida dos Combatentes" e continuou a somar êxitos. Encheu o Estádio dos Coqueiros num concerto. E tornou-se na principal figura da música angolana. Para onde segue agora? Ele não sabe e diz, a rir, que "o próximo disco pode ser só de kizombas"… Poucas kizombas (e poucos sembas…) cantou, agora, em Portugal. Não se importaram os espectadores, presos, desde o início, à nova onda criativa de Paulo Flores, "mais poética e com menor dor".

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